Alguns textos
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“És um senhor tão bonito

Quanto a cara do meu filho

Tempo tempo tempo tempo

Vou te fazer um pedido

Tempo tempo tempo tempo

Compositor de destinos

Tambor de todos os ritmos

Tempo tempo tempo tempo”

Caetano Veloso em Oração ao Tempo

Qualquer rota pré-traçada rumo ao Desconhecido, há nela mesma o pressuposto do risco. Decidir-ir infinitivos de verbos que lançam o sujeito numa trajetória insidiosa. O desejo do mar. Por quais caminhos? PERABÉ. Uma narrativa contemporânea de Luiza Baldan.

*

Para quem acostumou o corpo à ideia de infinito jamais saberia sobreviver em São Paulo - cidade demasiadamente concreta, densa, finita, apesar de sua grandiosidade -, sem encontrar nela mesma uma fuga. Sair em busca do mar seria, então, alguma espécie de redenção, de retomada, de reinvenção. Redescobertas de todas as ordens, inclusive da própria ideia de “redescobrir”.

*

O que seria do caminho sem o andarilho? Seria vestígio de desaparecimento. O que seria o caminhante sem trilha? Um seguir sem rumo. Uma ode à displicência?

*

De São Paulo à cidade de Santos. As trajetórias tornaram-se por demais perigosas. Em cada passo, a colisão entre presentes e passados. Desmoronamentos e desejos de construir à sombra daquilo quase apagado. Marcos da vida

pessoal se fundem às histórias da pequenina cidade. Como se o Tempo houvesse parado para que essas existências se encontrassem.

*

Esse mesmo Tempo que estanca, também se aflige sem saber a quem se dedicar: àquela alma solitária, aos anseios de um pequeno povoado, ao silêncio da vida natural, ao burburinho das Cidades colossais.

Assim, de aparente suave, me aparece e cresce aquele som silêncio, vindo de além, de um aqui distante, e das ruínas desse mar também. Ele esconde, em eco centro (e na quietude falsa onde ainda ondula o que já se foi) a dura e forte falta de um sentir. Só meu e limpo, e também seguro, constante assim: lá bem acima, o bem mais profundo, vibrando em mim. Logo, se é pulsante e surda a mansidão fingida onde eu sempre paro, se em vez do olhar é de outro sentido o lugar que eu falo, e se estilhaçam sempre, em fundo perdido e claro, os lugares palavras que eu vejo e guardo, não há o que houve, nem o que marca, nem o que eu sinto (e até invento). Fiquemos, então parados, na firme certeza desse maior ir sempre, sabendo, que sempre indo, vamos também mais, ficando sempre.

Assim: espraiados em ser bem maior do que abarcamos, (e mais que impossíveis nesse estado, que é um estar fixo em muito largo movimento) sentindo em todo o instante e de repente, que até nos alucina, certa e incontornável componente: perpétua e bem suprema, essa sublime, a impermanência. E será na repetição estática de um qualquer objeto, ambiente ou canto, lugar inerte na vibração morna dessa existência que eu bem pressinto, de apenas parte a querer ser todo e ferozmente, que encontrarei o vazio espaço que ainda sou e vivo sempre.

E assim projeto: reflexo de espelho aberto, do que apenas e só existe, decantado em notas breves de sentimento. Um escasso e fraco gesto como aliado, na união perversa e fria desse vazio, com um passado. A fronteira é uma história falsa e apenas nossa que o lugar ignora. O silêncio o senhor perene que tudo habita: cresce, se transforma e parte, sem que assim termine. Denominador prolífico em que nos apoiamos num contraído vivo, ele nos mostra a irredutível força calma detrás de tudo, a miséria bruta de projeções e leituras mil, a ilusão pretensiosa de querer ser só o indivíduo. É também através da ausência constante que habita esse silêncio vasto – e a que Luiza Baldan nos sujeita irremediávelmente, sem dureza, complacência ou sedução –, que somos confrontados com a incontornável permeabilidade da existência, com a fragilidade das histórias que para nós inventamos e percorremos, para sempre condenados a um suave mas imparável autoexílio de nós mesmos. Aqui encontramos momentos de um percurso feito pela artista ao longo de uma fronteira, através de cidades que jazem no litoral português, esquecidas entre a terra e o mar, marcos imóveis e caducos mergulhados numa atmosfera trespassada pelo passar do tempo, nostalgia temperada pelo constante silêncio, sólido, aparente. Ao sublinhar a força adormecida da presença, através da ausência – constante duelo de vida e morte em realidade que é apenas palco, ou arte –, ao revelar do presente nos resquícios nele ainda cravejados de um passado, ao mostrar um tempo sem tempo que é também um não lugar, Luiza Baldan nos urge, em suave mas forte paisagem, a um alargamento interior que descarta categorias de identificação ou raiz, afinidade ou história, até persona. Antes nos remete delicada mas firmemente para esse lugar transfronteiriço em que a interioridade e o exterior, o presente e o passado, mesmo o tempo e o espaço, serão meros conceitos organizacionais, representantes de uma artificialidade boçal e hoje caduca para o sujeito. E com maior razão, para o criador, artista. O silêncio/espaço que habita a obra desta artista quer ser sempre integral, fecundo, renascido, e não apenas palco, elemento, volume ou ambiente.

Assim, ele exige de nós: entendimento, largura e ação inteiras. E em resposta, cúmplice.

‘Image is far more than a simple cross-section taken of the world of visible elements. It is a sought after imprint, a trail, a visual drag of time, but also of additional time— […] — that it cannot, as an art of memory, prevent forming there.’[1]

 

‘There are many things in fiction that are not uncanny that would be if they took place in real life, and in fiction, there are many ways of evoking uncanny effects that do not exist in life.’[2]

 

Do aparelho de jantar que meus pais ganharam de presente de casamento, resta apenas uma tacinha de café no meu apartamento da rua Charlot. Ela parece menor a cada dia, como se os objetos da nossa infância fossem diminuindo conforme vamos envelhecendo. Não faço ideia de onde foram parar as outras do jogo, sem dúvida abandonadas em lugares que os membros da família já não habitam, dividindo o armário com canecas americanas, sobreviventes de um mercado de pulgas ou de uma lojinha de museu, sobras de histórias de amor ou de antigos roommates.    

Parte submersa do nosso iceberg familiar, esses objetos são parte de uma sequência de imagens que é constantemente atualizada por novos objetos que nos arrebatam e por outros tantos que nos afeiçoamos involuntariamente. Como o copo de leite do filme Suspicion, de Hitchcock, certas imagens flutuam sobre nós e impregnam os ambientes. Independente da história real, se transformam em volumes, imagens-objetos ou imagens/tempo. São literalmente desproporcionais.

As imagens de Baldan são assim: imagens-objetos e imagens-tempo, parte de sequências de vestígios que a artista recolhe durante suas viagens e residências em diferentes partes do mundo.

Esta é a razão pela qual a convidei para passar um mês no meu apartamento que está prestes a ser vendido. Além dos meus, há traços de todos aqueles que viveram ali, sejam as visitas curtas ou os inquilinos duradouros. Quero que Baldan registre sua própria experiência antes que comece a do novo proprietário, modificando e se deixando modificar pelo lugar, representando o desfecho, a minha separação com a casa e a sua história.

O acaso – ou alguns podem chamar destino – fez com que este projeto se desenvolvesse não só na casa, mas em uma série de outros lugares. O furto de alguns pertences e equipamentos profissionais da artista no apartamento da rua Charlot no dia da sua chegada a Paris, a obrigou a se reposicionar e a trabalhar para além da violência da intrusão.  

A exposição Build Up, apresentada na MdM Gallery, reúne obras articuladas em torno desta singular experiência de residência, em sua descontinuidade e deslocamentos. Algumas poucas fotografias anteriores também estão expostas, como a dos balões presos em galhos de árvore, que é a última imagem tirada em Nova York, um dia antes da viagem de Baldan a Paris.

Esta imagem foi ampliada e ocupa uma parede inteira da galeria, proporcionando uma abertura na abertura, ao longo da vitrine principal. Como tantas vezes na obra de Baldan, ela carrega uma ambiguidade: a perspectiva é interrompida pelos balões hipnotizantes que estão presos no ponto de fuga, impedindo a luz de escapar.

Alguma coisa aconteceu ou vai acontecer a qualquer momento, mas não sabemos quando ou como a ação se dará. O texto escrito pela artista passa em uma tela negra disposta no nível do chão, como se tivesse sido destacado das imagens penduras na parede. Não há distância suficiente para serem apreendidos juntos; as possíveis combinações são infinitas. O fio da narrativa foi cortado; o Estranho emerge.

Este efeito perturbador é acentuado pelas distorções de escala – uma árvore ou um prédio estão impressos no mesmo formato da foto da tacinha de café herdada dos meus pais –, mas também por composições com transparências e reflexos. Os contrastes fortes coexistem, colidindo entre e dentro das próprias imagens. Por exemplo, o piano da minha infância reflete uma porta aberta do armário da cozinha, como se o verniz preto fosse um testemunho tardio, uma Polaroid.

Esta acumulação díspar gradualmente permeia a sequência inteira, construindo uma tensão, como no cinema as trilhas sonoras chamadas build up mantêm o espectador em suspense até que as luzes se acendam e cada um retome o curso de suas vidas, sutilmente tomados por imagens e novas emoções.


[1] Georges Didi-Huberman, ‘The Image Burns,’ Thinking through images, centred around the work of Georges Didi-Huberman, texts collected by Laurent Zimermann, Nantes, Éditions Cécile Défaut, 2006, p. 11-52, p. 51.   [2] Sigmund Freud, ‘Uncanny,’ (Kindle), Chapter 3, Thriller Editions, 2013  

Por detrás da sinuosa escada do MAM, há um equipamento que projeta sobre a parede imagens em tempo real do lago existente na lateral do museu. Assim, dentro do MAM, é possível ver descortinar um dos poucos pontos cegos produzidos pela arquitetura de Affonso Reidy. Se a simultaneidade das imagens projetadas aponta para um certo realismo, poucos minutos de observação do experimento bastam para se perceber que a intenção da artista foi muito mais ambiciosa do que o desejo de uma mera reprodução da realidade.
A imagem posta na parede é enquadrada, atendo-se aos limites impostos pela autora, criando um efeito de formatação, recurso que expõe sua artificialidade. Impossível classificá-la na ingênua arrogância daqueles que anseiam falar da realidade na sua naturalidade, sentimento que inspiram os badalados reality shows. Sem recorrer a um anteparo para a projeção (uma tela, uma falsa parede), sua existência está constantemente em cheque; muitos visitantes desatentos do museu passam pelo local cegos para a experiência visual. Não é culpa deles; Baldan não facilitou para o público. Ao expor um ponto cego do jardim projetado por Burle Marx, acabou incorporando a questão da cegueira ao seu próprio trabalho. Acaso? Pouco provável. Um fato é decisivo para esta apresentação: o video produzido nunca é gravado. Infindáveis momentos se dirigem ao esquecimento no instante em que nascem. Instante. É curioso perceber que só é possível nomear este experimento de video na frieza das classificações: se possui movimento, é video; se é uma imagem estática, é fotografia. Sem gravação, sem a possibilidade de retorno, de exibição posterior, sem o áudio ambiente, preso num instante que projeta um frágil futuro e acena com um passado apenas imaginado, nunca um video foi tão fotográfico como neste caso. Cada frame projetado foi um instante exibido e depois perdido para a eternidade, como uma fotografia que eterniza uma cena momentânea para lançar, em seguida, todo o resto da realidade na obscuridade. Assim, apesar das sequências ininterruptas das imagens, o que está em jogo nesta produção é unicamente o instante, aquele momento surgido e morto imediatamente. O que nos resta deste acontecimento é uma vivência assombrosa do tempo, e não do movimento. E o assombro vem da provocação de um instante que é eterno e perecível ao mesmo tempo.
A própria materialidade da projeção determina esta concepção. Há um jogo dialético entre luz e visão inerente à instalação, como bem observou Virgínia Mota: quanto maior a luminosidade do ambiente, pior é a visão do video; com o crepúsculo do dia, a percepção da projeção melhora, porém a paisagem filmada é atacada pelo lusco-fusco da hora. Da cegueira dos visitantes à invisibilidade do espaço encoberto pelo concreto, este ensaio visual proposto por Baldan nos leva a pensar para além dos vazios esquecidos ou das lacunas não preenchidas. Não seria o caso de alertar cada espectador da presença da projeção nem, tampouco, de reivindicar a demolição do muro que esconde o lago. A artista não quer produzir um manifesto, reclamar uma lista de exigências, criar uma pauta de reflexões para os espectadores. Este entendimento seria a melhor forma de sufocar a potência do seu trabalho. Este descompasso entre a existência da projeção e a invisibilidade da paisagem, da cegueira do espectador e o desconhecimento do lago é justamente a força do trabalho exposto. É só a partir desta possibilidade de fracasso, da rejeição de aplicar um método eficiente de visibilidade total que nos deparamos com a urgência do não-lugar para a realização da própria arquitetura. A percepção desta dualidade é a mesma encontrada entre o silêncio e o som, o espaço em branco no texto e a palavra, a ignorância e o pensamento, enfim, entre a própria realização e o seu iminente fracasso. O vazio, a cegueira, a invisibilidade não é um estado a ser evitado ou exterminado, mas, ao contrário, a ser garantido e valorizado como condição de possibilidade para a existência em si. Experimento, projeto, trabalho; nunca uma obra de arte. A artista arrisca-se a não recorrer a segurança das obras de arte. Diferentemente de uma tradicional exposição de fotografia ou mesmo uma vídeo-instalação, Baldan abre mão da estabilidade que o suporte sensível de uma obra de arte poderia fornecer. Projetor, parede e câmera não chegam a constituir, nem mesmo sustentar, verdadeiramente a realização desta empreitada. Este modelo híbrido entre vídeo e fotografia só adquire contornos de uma obra no fugaz gesto de observação de um espectador incidente. É apenas a partir da visada de um visitante que a autora garante a existência de sua obra. A evanescência de seu trabalho que, por um lado, acena com o risco de um fracasso artístico (uma escultura pode ser ignorada, mas estará sempre disponível para fruição futura graças a sua existência em mármore, por exemplo), oferece, por outro lado, uma força rara nos dias atuais. Sua fragilidade assegura para quem a observa uma quebra no fluxo do cotidiano. Se uma grande obra é capaz de capturar nossa atenção e nos lançar em uma experiência estética profunda, Baldan proporciona uma inquietude, não a da efetividade da obra, mas alicerçada no não-acontecimento.
As imagens projetadas são repletas de mesmice, quietude, monotonia, previsibilidade. Quase sempre nada acontece. Numa época de frenesi, do espetáculo constante, do acontecimento nas mais ínfimas ocorrências, a autora nos oferece um tédio contemplativo. Acontecimentos só surgirão por puro acaso, à revelia da normalidade esperada. De onde vem a força citada se a experiência estética provocada parece estar em desalinho com os valores vigentes de nossa época? Mais uma vez o desacordo criado por Luiza Baldan comporta uma relação de ruptura com a vida no seu sentido ordinário. Sem qualquer razão de ser, uma pessoa pode se recusar a prosseguir a visita ao museu e perder voluntariamente seu tempo nesta relação estética com a frágil obra. Ocorre assim uma cisão inesperada entre a expectativa do visitante e sua própria vida cotidiana. A obra ali projetada não é bela nem útil. Por isso mesmo transforma a generosidade do espectador em uma inutilidade. O que se cria a partir disso é inesperado, injustificado, por isso violento, brutal, revolucionário. Num tempo em que parece que todas as revoluções fracassaram e que cada indignação coletiva se transforma imediatamente em gestos de pura bravata, talvez uma experiência estética ainda seja capaz de comportar um ato revolucionário. Tudo isso pode se mostrar insuficiente, mas, num mundo em que o niilismo deixou de ser uma ameaça temida para se transfigurar no verdadeiro modo de ser contemporâneo, é digno de exortação cada brecha de esperança despontada, mesmo que esta esperança nasça sob signo do desespero.

Muitas das fotografias de Luiza Baldan deixam de lado a presença humana. Desde o inicio de sua trajetória é possível detectar tal ausência. Mas não é disso que se trata agora. Ou melhor, tal ausência somente chama atenção para pronunciar a ausência de uma presença. Anteriormente Baldan havia feito uma residência de um mês em um ecobairro chamado “Península”, na Barra da Tijuca (bairro do Rio de Janeiro); se parte destas obras eram frutos de uma experiência em um local no qual as pessoas buscavam um suposto isolamento do mundo em favor de uma ilusória segurança, Luiza nos entregava o vazio e a solidão que permeiam o fundo dessa experiência sintomática da época em que vivemos em sua face crepuscular; aquela da perda dos vínculos, da capacidade de “viver junto”. A artificialidade que emanava daquelas fotos persiste nestas hoje apresentadas. Tal repetição mostra que, a despeito do lugar onde esteja, existe um universo de questões investigado pela artista, qual seja, o da solidão, o da dificuldade de criar vínculos, aquele que mostra a resistência dos lugares enquanto espaços fecundos para o encontro. Feitas em Portugal, em um lugar chamado “Península de Tróia”, tal série de fotos sublinha a promessa, sempre falha, de reproduzir uma cidade ideal dentro de uma cidade. Seja na Barra da Tijuca ou num balneário desértico de uma cidade europeia, a visualidade de Baldan soa a mesma; novamente nos vemos frente a uma espécie de futuro latente em busca de um presente por chegar. O nome disso pode ser urbanização, ou uma busca do lugar para o encontro, para a proximidade. Algum calor digno da expressão “viver junto”. A persistência na “questão” do vazio retorna como presença. Seu olhar sobre os intervalos de ausências soa atravessado por sentidos, polissêmico, em meio a um mundo sedento por presença e completudes. Seu píer para lugar nenhum é uma imagem paradigmática daquilo que deveria reger a relação com a vida, ou seja, a busca pela surpresa, o inesperado, e não pelo seguro e já conhecido. Um caminho que é puro devir. As luminárias inusitadas iluminam este caminho ao anoitecer, as placas, aparentemente isoladas, nos dão a direção em meio ao nada. A obra de Luiza Baldan se revela, por fim, repleta de uma poesia própria que nos instiga e faz querer caminhar adiante, mesmo que sem bússola. Poucas companhias são mais fiéis e felizes do que esta.

Guilherme Bueno (2012)
Luiza Baldan, São Casas

... e então o metrô para. Nesse instante alguém se vira e olha de passagem em direção à câmera. E mais outro, todos provavelmente alimentados pela curiosidade em saber o que ela fazia ali, o que pretendia registrar. Mas também ansiosos em, ao colocar-se fortuitamente na sua mira, passarem a pertencer àquele filme, sabendo que se um dia o vissem, reconhecer-se-iam ali espelhados, ingressando assim em um outro tempo; tornando-se parte do que talvez fosse uma das últimas possibilidades legítimas de monumento na modernidade – o cinema.

Essa descrição da cena final de um pequeno filme de 1905 feito no metrô de Nova York por Billy Bitzer ajudanos a pensar nos trabalhos de Luiza Baldan aqui apresentados. Se deixarmos de lado tanto diferenças

substanciais (o deslumbre anterior com o ato de registro como gesto simultaneamente de perenidade e afirmação do presente) quanto contingentes (a presença humana no primeiro, contrastada com a eventual ausência de alguns trabalhos da artista), duas questões ressoam comuns: a vivência urbana patente e, sobretudo, o que se poderia chamar de um protagonismo da temporalidade da imagem. Explicando isso melhor, trata-se daquilo que parece inerente às imagens de estabelecer para si um tempo próprio, que, para usar um termo hoje de domínio (e lugar) comum, “congela” tudo: a luz, a paisagem, o mundo. Daí o sentimento ambíguo de imprecisão em seus trabalhos – a nitidez flagrante, ora deslumbrante visualmente, ora seca em sua austeridade formal, acentua nossa incapacidade de determinar o quando, onde, como e por quê normalmente exigidos de uma fotografia ou de um filme. Aqui, portanto, ousaria dizer que tanto faz se as fotos são desabitadas ou não, pois em todos os casos, o que se explicita é o limiar da autonomia da imagem.

Falar em autonomia da imagem diante de trabalhos que nos defrontam ao universo urbano soa, no mínimo,

contraditório. Mas talvez seja este o ponto que nos leva a acentuar tal condição limiar. Afinal, por um lado, há,

independente do tema abordado, uma espécie de “encenação”, melhor dizendo, de dissecação de todos os

códigos componentes da imagem: o cálculo de um determinado gesto daquele (ou daquilo) que posa, oferecendo e repetindo um certo modo segundo o qual deseja ser registrado; a argúcia em perceber como a captação da luz, além de comentar a “atmosfera” de um lugar, preenche-lhe de volume e espaço. Por outro, o de nos deixar claro que, se tudo pode parecer igual, se todo lugar ou todo tema se igualam, isto só se dá até certo ponto, pois mesmo emoldurados em várias constantes e até pasteurizações detectadas pela artista, todos almejam uma singularidade, ou, se quisermos, uma identidade. Ademais, torna-se impossível permanecermos indiferentes a estes lugares supostamente indeterminados que, na verdade, são onde vivemos e convivemos, apercebamo-nos disso ou não.
Quando deparamos com suas videoinstalações, a alternância entre autonomia plena e “encenação” acentuam a fluência da linha divisória que as separa apenas circunstancialmente. Afinal de contas, a ideia mesma de encenação implica a presença de alguém que seja o destinatário dela. O espectador habita as imagens (o espectador como um “ator involuntário”), que por sua vez, também se auto-encenam onde elas se projetam. Em outras palavras, ela conferem uma outra identidade, mesmo que provisória, fundam um lugar efêmero, transpõem-se de um local (de origem) para outro (a sala onde são exibidas), instituindo neste último uma outra configuração para além daquela original. Espaço – categoria abstrata – é transformada em lugar, ou seja, dotado de uma significação.

Para finalizar a questão da temporalidade da imagem, volto a comparação do filme de 1905 com uma das várias fotos feitas pela artista no Conjunto do Pedregulho em 2009. Na cena final do metrô, em meio a suposta indiferença dos “personagens”, quando percebida a câmera, alguns se corrigem ou controlam suas atitudes, pois sentem o quanto lhes custaria ser condenados a eternidade de forma inapropriada. Nas fotos do Pedregulho, o fotografado calcula seu gesto, escolhe a roupa que melhor lhe corresponde, melhor lhe traduz, assim como os objetos de que se circunda. Para além da lógica do retrato, com sua tarefa de querer dizer de quem se trata e como ele pretende ser visto, coloca-se na imagem tudo o que o tempo poderia devorar, mas que sentiria salvaguardado sob o manto protetor da imagem. Antecipando-se a uma futura arqueologia do século XXI, entende-se aquela imagem como um statement para a posteridade e um antídoto à amnésia. Arcádia de bites.

Guilherme Bueno (2011)
Luiza Baldan, Algumas séries

O advento da fotografia constituiu-se fato marcante não apenas por todas as implicações trazidas a respeito do papel do artista e da natureza de sua atividade, mas igualmente por ter inscrito o problema da imagem em outro patamar: repentinamente, na mesma proporção em que as imagens se multiplicavam, elas se arriscavam a se tornarem todas iguais. Dito de outro modo, no momento em que tudo se permite ser fotografável, como determinar a preponderância de uma imagem sobre outra, o que lhe confere significado próprio e relevância? Hoje, quando vemos essa quantidade crescer exponencialmente, a ponto de, em certos casos, a foto nem mesmo chegar ao papel (como ocorria necessariamente antes), tal questão ganha contornos ainda mais difusos. A exposição “Algumas séries”, de Luiza Baldan, assume tal discussão naquilo em que a imagem se entrincheira e se define no vácuo entre singularidade e dissolução nessa galáxia de ícones do mundo contemporâneo. Por um lado, a ideia de série anuncia equivalência e diferença – semelhança no que propõe um fio condutor de um grupo de fotos, seja ele temático ou formal; diferença, ao constatar que essa familiaridade se faz por disparidades de circunstâncias. A artista, em alguns casos, tira partido de analogias para indicar um modo de olhar as fotos, quando, por exemplo, estabelece uma correspondência entre certas tomadas e pinturas abstratas. Em outros, a imagem se constrói na fronteira entre memória e banalidade: ela se vale de um repertório incrustado em nossas lembranças – cenários de cinema, fotos familiares, etc. –, que sub-repticiamente indaga não só o quanto uma imagem é efetivamente particular (já que se encontra, queira ou não, imersa em vários códigos), mas também o quanto cada registro convive sempre com a sombra do apagamento, oscilante entre um tempo prolongado e sua finitude imediata vaticinada pelo clique. Tal imprecisão se reforça por algumas dessas cenas serem refratárias ao conforto da decifração de um tempo e local específicos. Rigorosas formalmente, acentuando nisso uma proposital indefinição ilustrativa, são sempre antiposes. No fundo, elas demarcam, em seus encadeamentos, a possibilidade de construção de um sentido de narrativa não mais vinculado àquele de descrição. Uma sequência, portanto, em que cada imagem alterna seu valor entre afirmar-se por si mesma ou criar seu significado a partir do conjunto que ela compõe. Fotos que se legendam reciprocamente, criando um texto tão permutável e aberto quanto os pontos de vista que registram uma cena.

Uma vez um arquiteto me disse que talvez a principal função do seu ofício seja pensar como vivermos juntos. Além de espaços para se habitar, prédios e casas respondem de certa forma – ou ignoram por completo – essa função. Como vivermos juntos? Como termos nossos espaços privados em meio aos fluxos de ordem e desordem que emanam da necessária convivência pública? Enfim, como sentir-se integrado a um sentimento comum de pertencimento quando estamos dentro de nossas próprias casas? Os imensos condomínios fechados, tendência urbana que cresceu nas últimas três décadas, buscam, no fundo, estancar as questões ao redor do viver junto. A resposta, muitas vezes, é simplesmente não vivermos juntos em uma mesma cidade, com dilemas e soluções públicas. Criamos paraísos artificiais em busca de um prazer que não nos satisfaz no senso comum das ruas. Queremos a garantia de que vivemos entre aqueles que mais temos afinidades – nem que sejam financeiras. A expectativa em um grande condomínio fechado é de felicidade individual conquistada pelo exclusivo, pelo restrito, pelo vigiado. Como uma hipótese, podemos dizer que esse tipo de moradia comprova que a cidade não cumpre a missão do arquiteto e, portanto, não podemos viver juntos. O que dizer então de um bairro de condomínios chamado (e localizado em uma) Península? Como habitar um espaço que, já na sua condição geográfica particular, tenta se separar do resto do território? E enfatizo a tentativa porque uma península não é uma ilha, e sim uma “quase ilha”, faixa de terra ligada por breve liame ao continente. Como o condomínio que ganhou seu nome, há a impressão de que se está em uma ilha, mas não estamos de fato. Ilusão de estar só, mesmo ligado ao todo. Todas estas perguntas e reflexões arquitetônico-geográficas são tentadoras para Luiza Baldan. Pois ela já traz em sua trajetória artística e pessoal o deslocamento permanente em busca de novas perspectivas sobre o habitar. Seu trabalho nos apresenta luzes originais em sua fotografia poética dos espaços – vazios de pessoas e plenos de presenças. Encontramos nesses segundos congelados de luz e sombra os novos cenários para suas narrativas pessoais, contadas para o público através de seus enquadramentos. Assim, nesse espaço em separado, passando seus dias a vagar pelas ruas desertas e luzes inventadas da Península, Luiza foi encontrando um percurso sutil para seu olhar. Em meio a milhares de prédios, andares e todas as megalomanias que a vida controlada de um condomínio pode nos dar, ela apresenta o frio apartamento branco em que o espelho, o relógio, os móveis, todos confirmam sua condição artificial como testemunhas inanimadas desse olhar arquitetônico vazio. Nas ruas, ela vaga com sua câmera pelas obras em progresso e pelas margens dos canais que cercam a quase ilha. Os trabalhos dessa exposição, portanto, são uma espécie de contra discurso de Luiza sobre o isolamento desejado por aqueles que habitam tais lugares. Ela e sua fotografia enfatizam criticamente esse isolamento desejado, tornando-se uma ilha dentro da península, ambas solitárias na terra firme do nomadismo inventado, navegando de barco os limites desse sonho consumista e ficando à margem do mundo sólido de vidro, aço e concreto. Ao olharmos suas fotos, vemos que Luiza quis observar o que ainda não está concluído, explorar o surreal de luzes e formas dos jardins encomendados e plantados nos locais em que a Península tenta ser parte de uma natureza comum a todos nós. Se a margem fica dentro do rio, Luiza ocupou esta tênue linha entre dentro e fora para produzir uma série de fotografias agudas desses dias em que derivou pelas ruas peninsulares. As plantas refletem uma gama de luzes falsas, assumem sua transitoriedade pois não há espécimes nativas ali. Nem ilhas. Muito menos moradores. Na Península de Luiza, há apenas o vagar dos dias, um abandono do olhar viciado em prol de uma reinvenção utópica. Olhar para estas fotos é constatar que a arte atravessa mares e território fechados. Se a arquitetura não consegue resolver o problema de vivermos juntos, certamente a arte nos lembra que, ao menos no seu território generoso de sentidos, podemos habitar o mundo sem recusar a alteridade. E sem sermos ilhas em meio ao mar diário da vida

O bote ficou fora de alcance, na praia do leste. O que perco não é muito: saber que não estou preso, saber que posso partir da ilha; mas alguma vez pude ir embora? Adolfo Bioy Casares, A invenção de Morel.

De murunduns e fronteiras, trabalho de Luiza Baldan para Mapas invisíveis, destaca e aprofunda questões fundamentais da obra da artista a partir de um mergulho na Barra da Tijuca, especificamente no conjunto de condomínios de alta renda conhecido como Península. Baldan começou sua trajetória através da fotografia, embora desde o início taxá-la como fotógrafa significasse uma redução de seu campo de interesses. Ainda que a fotografia ainda seja seu suporte mais frequente, a artista não empenha sua atenção nas questões inerentes à reprodutibilidade das imagens. A fotografia – assim como o vídeo, que ela experimenta nesta exposição – é um meio para que ela fale de sua relação cada vez mais direta com o espaço, não só no que ele tem de escultórico, mas, sobretudo, como um campo de experimentação de tempos distintos a partir do confronto com sua memória. Para realizar De murunduns e fronteiras, a artista morou durante o mês de agosto de 2010 em um apartamento da Península.1 Nesse período, circulou pelas áreas comuns do conjunto de prédios, como jardins e playgrounds, e usou o serviço de transporte do condomínio. Ao propor essa residência, Baldan pretendia dar continuidade a uma experiência vivenciada no Conjunto Habitacional Prefeito Mendes de Moraes, o Pedregulho, em Benfica, onde passou cerca de 30 dias em dezembro de 2009. A partir da convivência com os moradores desse condomínio extremamente popular, ela criou a série de fotos Natal no Minhocão, além de produzir um conjunto de imagens que são indissociáveis de um texto escrito durante a temporada em Benfica. Parte de sua dissertação de mestrado, “Lugares que habitam lugares”,2 tratava exatamente da importância que este texto passou a ter na sua pesquisa. Um discurso não linear e sem compromisso com o relato fidedigno dos acontecimentos, que fundia o confronto com um novo lar, provisório, nômade, com o repertório das inúmeras casas onde a artista viveu ao longo dos anos. Essa memória da artista em relação ao habitar lista residências em diversos bairros do Rio e países como os Estados Unidos e a Espanha. Baldan viveu em mais de 20 casas em seus 30 anos de vida. Esse é possivelmente um dos motores de seu interesse pelo registro de lugares que são deslocados de sua identificação usual e dos clichês com que são percebidos para virar um território suspenso, que pode ser em qualquer lugar, mas certamente atende ao chamado de um “lá”, de um porto para onde a memória – da artista e de quem está diante das imagens – se dirige. Não por acaso, ela tem especial interesse pelo tema da fronteira. Esse limite pode ser geográfico, surgindo a partir de seu deslocamento para um lugar que não é o seu, ou simplesmente como a sobreposição de dois “estados” de ambiente. Neste segundo caso, enquadram-se, por exemplo, inúmeras fotos de janela, em que o “lado de fora”, com sua paisagem, invade e é invadido pelos ambientes do “lado de dentro”. Mas a fronteira, na obra de Baldan, também tem a ver com transições de tempo e de luz. Na recente exposição Sobre umbrais e afins, apresentada em 2010 na Plataforma Revólver, em Lisboa, a artista reuniu fotos de 2004 a 2010 em que aparecem ambientes/territórios na penumbra. Eles são atravessados por outra intensidade de luz, que é registro de outro tempo, tão estrangeiro como ela própria quando se propõe a uma residência num lugar que não é o seu. Algumas dessas imagens contêm portas e janelas, que deixam entrever outro ambiente, outro mundo, território a ser percorrido depois de ultrapassados os limites do território que se sobressai em primeiro plano. Na série Entre o sono e a vigília (2006-2010), une a ideia de um olhar visitante com a de transição de tempo. Dorme uma noite na casa de alguém, fotografando o anfitrião assim que ele acorda e sem que faça qualquer outra coisa antes de posar para ela. Se por um lado este é um projeto que reforça a característica globe trotter e às vezes fugidia da relação de Baldan com a noção de lar, por outro demonstra com muita clareza a tentativa da artista de alinhavar e perpetuar momentos efêmeros, transitórios, fazendo deles lampejos de eternidade. Ao guardar a imagem, ela desloca tempo e espaço para o campo da não identificação e é justamente esse deslocamento que garante a sobrevivência do que é retratado. Em De murunduns e fronteiras, a imagem guardada não é só imagem. É também texto, ampliando as relações entre campo visual e palavra iniciadas no trabalho do Pedregulho. A artista cria um vídeo formado por três projeções, que ora se separam em três imagens em tempos distintos, ora se unem numa panorâmica. Esses filmes registram um mapa de fato invisível da Península: uma ilha no meio da lagoa que separa esse bairro fechado do terreno do Barra Shopping, para onde os moradores vão através de um serviço de balsa. Baldan experimentou a vida na ilha durante dois dias, registrando-a também em passeios de barco pelas águas que banham o condomínio. Foi levada a esta viagem introspectiva pelos barqueiros da Manglares, empresa responsável pela limpeza do mangue. O texto produzido nesse período,3 que teve um trecho transformado em narração em off do trabalho, tem a mesma estrutura fragmentada das imagens. Captura sensações da artista de maneira entrecortada, fundindo cheiros, sons e imagens dessa região da Península – o mangue, o piar de passarinhos, a água invadindo a vegetação e o desenho infantil de um sol feito no chão do cais onde ela pegava a balsa – com os cheiros, sons e imagens dos lugares em que Baldan viveu. Se o texto é escrito em golfadas, transmitindo novidades e dejà vu em um só tempo, as imagens fazem exatamente a mesma operação. Os projetores são como um arquipélago de três ilhas, que têm como única ligação a fluidez das águas. Uma mesma panorâmica pode ser dividida em três tempos muito próximos e igualmente muito distantes, com os projetores funcionando descompassados até um fio de discurso – visual e poético, já que ocorre sincrônico ao texto narrado – conseguir transformá-los em uma só cena. A sensação de estados transitórios, que se eternizam a partir de lapsos de memória, volta aqui com um grau altíssimo de potência. O mergulho na Barra da Tijuca e a descoberta deste mapa invisível na Península criam novas transitoriedades e transformações para um único lugar. Bairro de prancheta, planejado pelo arquiteto e urbanista Lúcio Costa, a Barra sempre esteve culturalmente à margem do resto da cidade – tentando, inclusive, se emancipar, em uma campanha de 1988. O desconhecimento dos moradores de lá do resto da cidade já foi retratado em inúmeras reportagens e pesquisas, que demonstram que a Barra é, de certa maneira, uma ilha. Por outro lado, o preconceito e o lugarcomum com que os moradores dos outros bairros tratam a região é uma realidade. Em De murunduns e fronteiras, Baldan quebra esses clichês, mas vai muito além ao se reencontrar com a ambiguidade entre eterno e efêmero, entre perene e nômade, que norteia toda a sua trajetória. Ao vivenciar essa sensação de naufrágio das imagens de um modo quase literal, ela mostra que estar à deriva pode ser uma boa forma de atracar no cais.                                    
1 Luiza Baldan morou na Península com o apoio da construtora Carvalho Hosken, que cedeu um loft para a artista durante um mês e a auxiliou em tudo o que foi necessário em sua pesquisa no condomínio. 2 Dissertação de mestrado defendida em 2010 na linha de Linguagens Visuais do Programa de PósGraduação em Artes Visuais da UFRJ, sob a orientação de Milton Machado.

Felipe Scovino (2010)
Qualquer lugar

A obra de Luiza Baldan parece nos empurrar para uma zona difícil de ser localizada. Arrisco-me a dizer que ela pretensamente se situa entre o silêncio e o (largo) intervalo entre a espera e o esquecimento. Um território preenchido pelo indício de que algo acabou de acontecer por ali ou há muito é preenchido apenas por memórias. São situações imprecisas assim como é incerto chamar de fotografia, o trabalho de Baldan. São imagens de qualquer lugar. Em alguns momentos aproximam-se de pinturas, seja pela presença de uma janela alegórica, seja pela dualidade entre figura e fundo posicionando-se numa estabilidade provisória. Ampliando essa discussão, a luz não é adereço mas personagem central nas narrativas de Baldan. Ela adentra o espaço e por ali permanece. É como se a imagem quisesse assegurar a permanência do elemento “mais” transitório e pontual da natureza (a luz). Existe algo tão próprio de nós (um lar, uma barbearia, um estacionamento), que em suas obras sofre uma suspensão de tempo e espaço; tornam-se estranhos, silenciosos, isolados. Silêncio aqui não está diretamente ligado à ausência humana (até porque “ele” acabou de passar por ali) nem a economia de gestos mas ao caráter ambíguo de presença e solidão que Baldan emprega nas imagens. Silêncio como possibilidade do espectador decifrar aquela cena tão cheia de vestígios em um aparente vazio, e cabe aqui ressaltar, propositadamente natural, sem efeitos cênicos. Em imagens permeadas de trânsitos, suas obras são lugares provisórios. Seja pela espera de alguém que acabou de sair ou nunca virá ou pela tentativa de anular, a todo o momento, os vestígios do que acabaram de “ser”. Há uma espécie de mistério a ser decifrado. A imagem ou lugar escolhido por Baldan não oferece a mínima possibilidade de ser ocupado ou habitado, simplesmente pelo fato de que ele é um qualquer lugar; um território nostálgico que se faz presente apenas como depositário de signos e memórias. Como obra aberta, seus lugares situam-se entre tempos e territórios, preenchidos por silêncios e vazios que se oferecem para serem desvendados pelo espectador, agora na figura de um hóspede, detetive ou intruso. É nessa intersecção, com ausência de fronteiras claras, entre desconforto, estranhamento e reconhecimento que nos colocamos diante das imagens de Baldan. Faz-se presente uma espécie de arqueologia do habitar mas que ambiguamente nunca é ou pode ser um exercício ou um lugar para essa função, porque assim ele não deseja ser.

Carlos Eduardo Ricciopo (2010)
Luiza Baldan, Pinturinhas

Embora ostentem imagens marcadas pela reiteração de momentos em que os grandes

acontecimentos estão em recesso, os trabalhos de Luiza Baldan confrontam o espaço com a desconfiança de que ele não seja capaz de se oferecer de todo vazio. Parece haver ali uma disciplina de distanciamento com relação ao espaço fotografado, o que se traduz na figuração

de recuos disponíveis à projeção da visão. Também pequenos elementos (uma caixa de

correio, uma poltrona) aparecem nas imagens como que garantindo uma experiência mínima de escala (ainda que seja uma marca do trabalho a apreensão de situações em que os objetos não se encontram em profusão).

Tudo isso seria suficiente para fazer com que a essas imagens aderisse um sentido de abandono ou isolamento – outras acepções daquele “vazio”. Todavia, as fotografias de Luiza não elegem como central qualquer fração das imagens que capturam. Elas se esmeram, antes, na descrição ponto a ponto das imagens, plasmando toda a espacialidade que ali aparece, como se a percebessem com um caráter atmosférico muito específico – que não reside na apreensão difusa dos elementos que compõem as imagens, mas na difusão dos elementos mesmos, com a nitidez de suas texturas, cores, com a singularidade de cada um deles.

Resulta disso que muitas dessas fotografias se ofereçam em um estado de saturação

ou grau de acumulação de planos e contraplanos que parecem se deslindar em superfície.

Insinua‐se uma interioridade, sim; e é ela que parece preencher, habitar as imagens. Mas trata‐se de uma interioridade à qual não se tem total acesso: ela eÅL marcada por um tipo de visão que se esforça em contemplar os objetos, as qualidades dos lugares fotografados, mas não se permite franquear completamente, retendo, afinal, algo da própria experiência de percorrê‐los com minúcia, de mantê‐los vivos, não se deixando escancarar decisivamente por meio de suas articulações.

Milton Machado (2010)
Baldios

Luiza oferece sua casa. A janela da frente tem grade, e os vidros são canelados, para evitar que se olhe o que tem dentro; mas não evitam que os respingos da mangueira do vizinho que lava o carro lá fora produzam reflexos verdes. São as folhas que tem lá fora. LB tem fixação pela hospitalidade, mas tem certa dificuldade com endereços fixos. Consta que viveu em 25 imóveis em 29 anos. Já morou em Pedregulho, Barcelona, Nova York, Cabo Frio, Carandiru. Não para em Lugar Nenhum, adora carregar um móvel, transporta uma Hasselblad. O vizinho lava o carro debaixo de uma pequena árvore. De dentro se vê que lá fora tem as folhas de uma árvore. O carro do vizinho não é tão antigo quanto os carros que LB não fotografou em la Habana. La Baldan não fotografou muitos carros em Cuba, mas flagrou uma piscina com águas tão azuis que dava para se ver o que tem dentro. Uma piscina fixa que dava para se ver lá fora um mar esverdeado canelado caribenho em constante movimento. LB não para, tem algo de non-stop, auto-móvel. Roda, mesmo quando é sem câmera. Os carros de la Habana não são as únicas ruínas. Tem esse quarto árido, o deserto deste quarto e sala, esse sofá puído, sete portais de um corredor que levam a Lugar Algum, esse salão de barbeiro onde marquei hora para fazer a barba. Sentado nessa cadeira de barbeiro nesse salão de quinta terei como equacionar sua primeira geometria. As fotos de LB marcam hora com uma ordem lisa e aparada, ali tudo parece ser tratado com escova. Não é fotografia feita a máquina, nem os cortes a tesoura. Deve ter a ver com o formato grande do negativo, daí que se o ângulo é reto a foto é ortogonal. As fotos de LB celebram o encontro ancestral entre lux e lumen, do raio luminoso com o raio visual. As fotos de LB mostram tudo o que têm dentro. Para isso concorre uma luz não sei de onde. Deve ter a ver com seus olhos, que fotografam em azul, azuis-piscina. Deve ter a ver com os reflexos verdes das folhas verdes da árvore verde que tem lá fora. Deve ter a ver com águas, respingos, com as transparências. Deve ter a ver com o rigor das grades, das janelas caneladas desde o renascimento. As fotos de LB têm mesmo um toque de clássicas. As fotos de LB têm esse toque inaugural, esse algo primeiro de contato. As fotos de LB mostram tudo que tem fora. Os lugares-nenhum de LB são habitados por “espíritos múltiplos” (Certeau), daí seus tantos intervalos, seus fantasmas revelados, montados a pelo, todos em zigzag.

[Milton Machado ajudou LB a escrever ficção na academia - 2010]

 

Mauricio Lissovsky (2009-2010)
A Descoberta da Porosidade

“A porosidade é a lei inesgotável dessa vida, a ser redescoberta.”

Walter Benjamin


Em 1924, Walter Benjamin visita Nápoles e descobre uma arquitetura porosa como as rochas. Dupla porosidade: do espaço, onde cada atitude privada é “inundada por correntes de vida comunitária”, os balcões, janelas, portões, escadas e telhados “são ao mesmo tempo palco e camarote”; e porosidade do

tempo, pois “há um grão de domingo em cada dia da semana”. No Pedregulho, Luiza Baldan redescobre uma de suas leis. Se deixa a porta do apartamento aberta é porque “está para conversa”, pode ser convidada a brincar na varanda com as crianças e a participar do churrasco com os vizinhos. O contrário é dar mostras de solidão – e isso, provavelmente, não é coisa que se faça.

Não há interiores alheios nas fotografias de Luiza. Apenas este, do apartamento onde viveu D. Leda com seus cachorros de porcelana. O maior de todos, de pelúcia, espreita junto à porta do quarto a chegada da nova residente. A luz verde toma conta do ambiente: “pode entrar”. A chegada é delicada.

Primeira porosidade da fotografia: a ausência que ela faz presente, o desaparecimento que torna recente.
A cortina de plástico rosa, translúcida, nos remete a esta permeabilidade particular, capaz de impregnar de vivência até o mais kitsch dos objetos de cena. A fotografia é este vaso de girassóis, igualmente plásticos: uma natureza-morta sempre-viva. Luiza escreve no seu blog: “os objetos ainda quentes, cachorros de porcelana que latem calados na estante”. As miniaturas e os fantasmas têm algo em comum. São seres da travessia, porosos por natureza. Assim como os fantasmas habitam o limiar entre os vivos e os mortos, as miniaturas percorrem a tênue fronteira entre a infância e a vida adulta. “Tia” Luiza segue as crianças que lhe abrem os caminhos do Pedregulho.

Segunda porosidade da fotografia: ludicidade e magia. Poder de transformar o pequeno em grande, o triste em cômico. Tudo agora é troca, transformação. A câmera troca de mãos, as crianças trocam de rosto. Trocam-se imagens, lugares, balas Juquinha. Trocam-se retratos por auto-retratos.

[Todo esse movimento de trocas ironicamente mediado por uma câmera Lubitel: a velha tecnologia soviética

redescobrindo as linhas do internacional-modernismo em um bairro operário tropical.]

Há um inquérito em curso nos caminhos do Pedregulho, uma questão que está sempre sendo refeita: Como pode um lugar tornar-se seu? Qualquer lugar e este lugar em particular? A artista percebe que neste prédio essa pergunta é ainda mais difícil de responder: há a cadeira de barbeiro que sempre esteve aqui, há o canto da árvore de Natal que só nessa época está lá, há um pedaço de chão onde agora não há mais nada.

Terceira porosidade da fotografia: restituição. Pois foram, de fato, duas residências: a de Luiza no apartamento 613, e a das imagens nas latências do filme e da memória. Quando os retratos retornam de seu exílio fotoquímico, o Lugar finalmente reaparece. Pedregulho redescoberto por si mesmo em sua beleza esquecida, pedra porosa diluída no habitar. A fotografia, que retorna como objeto, é a membrana-cobogó que restitui o aqui e agora da distância – esse paradoxo que só o afeto pode preencher e sustentar.

[- Agora todo mundo quer tirar fotografia: “Como o prédio é bonito!”. Os moradores se redescobrem neo-politanos, habitantes de uma cidade por vir]

A porosidade é a técnica das cidades. A imagem é a sua teoria.

Texto em outros idiomas

Texts in other languages

Luiza Baldan (2018)
Monumentality as Collectivity

The building is half a century old. Not so long ago. The dismantling of the old belvedere, still alive in the memories of yesterday's children, and the raising of the floating box. The index and the icon. The monument carries the history that part of the people quickly forgot. The L-shaped staircase in modern architecture with a vocation for the pulpit. From it, we can see the masterly gap, a pulsating interval between the avenue and infinite buildings, where the stone rests. The flow, the people, the buzzing, and the stone. An unusual and improbable monolith, a fat silhouette, a vertical witness of an endless number of things. With little stones around it that look like Christmas presents. The space is the stage, the scenery, and the audience for the rhythmic frequencies that make the slab a sheet. A dynamic structure that shelters lefts and rights. From the records of its construction, men, always men, duly identified, to those whose shins are barely visible. On the other hand, the full-body women on the construction site are anonymous. The exception is Dona Lina, who even so-called herself and was called "the architect".


The belvedere is the span. 50 years later. Many people who did not participate in the facts do not feel part of history. Inside and outside the museum, characters and threats are repeated, or maybe they never left. Another blow, old hate speech. The building with the red columns should be called communist again. The stone dawned pixelated with a sickle and hammer. It and the walls here certainly remember what some of the

people quickly forgot. People get off at the Trianon station without noticing that this is the place where Dona Lina wanted people to go. Architecture to shelter and fabricate history. Body present in the space of the city.


Monument means warning! Monumentality as collectivity said engineer Suzuki after Lina Bo Bardi . Vibrant body of concrete, glass, artworks, and people, lots of people. The stone rests in the palm of the architect's hand. Such a photograph indicates the door to the employees' bathroom and watches over the narrow corridor. The intensity of the author's view of that place is a penetrating presence that transcends time and materiality. Just as well, because the anachronism is great. Fifty years that come and go at a thunderous speed.

Who knows where the fascination for the sea comes from?
Pearls, shells, middens.

From times gone by, when Guanabara was savannah, and the Sugar Loaf mountain an island.

The silence of the Canhanhas. I always hear the loud voice of a woman coming from the Bay. It is the breast from which the sea springs.

Rainha dos Anjos. The tide recedes and the stink rises. Almost without oxygen. Each span of the bridge is a frame. Oil rigs compete with the mountains, and add to the stars.

Freezing submarine pipes scare away the fish.

What would that sailor think who, for years, was faithful to that anchored ship which now, forgotten in the middle of nowhere, wants to roll in the sea?

The bay is under siege. We are all fishermen.

Many islands separated from the mountains in search of saline solitude.

The face is carved into the rock. The massif with the face of Noel.

The senses respond to the smells, the sounds, and the horse-tail forms of the clouds. Sailing for hours on end through the same landscape in choppy waters. The oceanic retreat and the tongues of sewage.

Striated, geographic tongues. Scattered stains, ambushed nets, phantasmagorical fishing.

the water close to one's ears, the eye on the water. the methane bubbles that pepper the skin. Hydrogen sulfide, acoustic curtains.
The writing reeled with the movement of the boat. The dividing line between what remains outside and what remains inside the boat. The methane bubble peppers the skin. One opens up to the silence. Macacu is almost like the Brazilwood tree.

 

 

Ana Luisa Lima (2015)
Afflicted Time

"You are as handsome a gentleman

As my son's face

Time out time out time

I'll make you a request

Time time time time time time

Composer of destinies

Drum of all rhythms

Time time time time time time time"

Caetano Veloso in Oração ao Tempo

 

Any route pre-drawn towards the Unknown, has in it the presupposition of risk. Decide-go infinitives of verbs that launch the subject in an insidious trajectory. The desire for the sea. Which way? PERABÉ.
A contemporary narrative by Luiza Baldan.

 

*

For those who have accustomed their bodies to the idea of infinity, they would never know how to survive in São Paulo - a city that is too concrete, dense, finite, despite its grandiosity - without finding in it an escape. To go in search of the sea would be then, some kind of redemption, of retaking, of reinvention. Rediscoveries of all kinds, including the very idea of "rediscovering".

 

*

What would become of the path without the wanderer? It would be a trace of disappearance. What would the walker be without a path? To follow without direction. An ode to indifference?

 

*

From São Paulo to the city of Santos. The trajectories have become too dangerous. At each step, the collision between past and present. Collisions and desires to build in the shadow of what was almost erased. Milestones of personal life merge with the stories of the small town. As if Time had stopped for these existences to meet.

 

*

This same Time that stagnates also afflicts itself without knowing to whom to dedicate itself: to that solitary soul, to the longings of a small town, to the silence of natural life of a small village, to the silence of natural life, to the hustle and bustle of colossal Cities.

One city helps you to read another. A city is a place of memory. For travellers, your place of birth is the home you carry in your luggage to facilitate your arrival in an unknown place.

 

My hometown is the sea. Whenever I am feeling nostalgic for something, in any dream or nightmare, blue is what I see and the salt air is what I smell.

 

I was born by the sea. I moved to a place by the sea. And in every port I docked at, I left a little of the port of my departure.

 

So my home is the sea, in all its malleability and insistence. Waters contaminate each other, communicate with other, bring and take. As children, when we scarcely know how to read the city, the scale of the avenues and buildings is frightening. The sea is intimidating. We are small beings surrounded by great masses and volumes which teach us, early on, about hierarchy and how to live in society. As we grow up, the city also grows, but we notice it less.

 

The sea is the only thing that does not change over time.

 

All the cities where I have lived are located by the sea, except one. The sea-less city is the only one that does not cease to expand.

 

Walking in the sea-less city causes you to get lost and find yourself in the urban labyrinth, to collide with towers and hills, and to melt into the pollution. Flying over the sea-less city causes you to lose sight of it, to collide with towers and hills, and to melt into the pollution; to be persistent and look beyond, to find the sea. The horizon of the sea-less city is the flickering of the incandescent lights which overlap in the distance.

 

From the sea-less city, I seek the sea. I reconstruct the routes of those who rose up out of the sea.

I lean on the rampart. It leans on the shore. Why turn your back on the sea? To the shore in the capital of solitude and its perfect sanity.

 

From the sea-less city, I watch the sea.

 

The upland of Piratininga, Inhapuambuçu and its providential, unseen, dextrous heroes. The divided Itaecerá. The promise of Peabiru and the Tupiniquin Indians. It is not a ridge, it is an escarpment. Everything will be built on the way, among pepper trees, byways and diversions.

 

The Andradian anguish of the time before the journey, and the satisfaction of running around the world, of swimming around the world. According to the laws of the sea, the biggest always prevails.

 

I saw the water in the photo and asked…is the bay near the airport?...better to laugh.

And my pride increases with your guts and determination… working in a luxury hotel when, some years ago, we were humbly requesting shelter in a hotel in Ipanema.

I cannot omit the fact that when I ran from Leblon to Arpoador, it was right there that I took a wonderful dip in the sea…on the way back, I took another in Leblon.

I returned reinvigorated…

Oh, yes…I did it all again afterwards.

I felt a pang of nostalgia... I digress.

But they are good memories.

 

I know your sea off by heart. And the morning walk too, even though you do not remember that I chased your shadow, walking in your footprints until the sea washed them away. You, holding my hand, pinching my fingers with the ring, after the street-kid yanked the gold chain from your neck. Your sky and mine photographed from the same balcony a short time apart. A premature image like me. An image of what is immutable since the start of time.

 

I used to say, my sea!...in front of so much blue!

 

In the absence of the sea, there is the sky.

When the blues overlap and it no longer makes any sense to know who is above or below the discrete line of the horizon.

 

My map is a great reference of yours, Atlantic. When still a foetus, I swam in the belly of the mother. I am a marmífero. What I really wanted was to have been born on your shore, in the whitest cotton plantation in the world, but that would be suicide. And I really did try. In convulsive jolts, I follow your trail on broken journeys, like so many Tamoyo Indians, desperados, muleteers and pirates who did the same from Cabo Frio to Santos.

 

A crossing of profound silence, where the light blinds and the plants rustle in the piercing wind. A howling, cross-wind that hurts the ears. The heat of the midday sun punishing the white-crested guan. Crouching and rolling in the flying sand that pierces the skin and carries itself to another place. Digressing among the dunes. Being a dune.

 

On January 21st, they hoisted the sail and approached the land, the stifling, melancholy beaches.

The piaçaba palm. Ships, a galleon and two caravels, one called Rosa. These islands have a small isle between them, and there are snakes and a dragon. An island that became a peninsula. On January 21st the frigate of caiçaras got lost in the sea.

 

A place for drying fish

A place for seeing the sea

A place to disembark

A place that can be seen from afar

 

Of all the possible paths, I chose mine. So many courses re-charted, foot after foot, without the hint of a track. Automatic routes driven by any old flow imposed by who knows who. And with so much repetition, something makes itself present. A high, monotonous chant that unexpectedly interrupts the mute solitude of the familiar walk. The stone which trips you up and alerts you to what is around you. Ostentation and recognition.

 

Mediated territory. There is no promised land. The Tietê river flows far from the sea. Suspension of betrayal.

 

What happens to everything that passes across your eyes? Dust, eyelashes, images… Crying and raining. Overflowing. Loamy, slippery path.

 

The elastic margin, the soft little wave. The border between the dry and the wet. The in-between space. The moment that precedes goose bumps. Feeling the hard sand melt. The seen land, the port, the landing place. The meeting point between what arrives, what leaves and what awaits.

 

Pangea divided into oceans that border inaccessible territories.

 

Sailors, castaways and convicts dock at the end of the beach and follow the railway line, by the safe path that leads away from the sea. Little by little, one by one, they separate. Like the ancestors who arrived in cutters and travelled by the ‘English’ railway up the Serra Velha to Jundiaí.

 

From subterranean being to subcutaneous being, seeking in the viscera the wisdom of deeper memory. Forbears stretched across the heart.

 

Gamboa. Delays. Mysteries. Secrets. The wide ocean.

 

A story like this can only be built with excellence, leadership and teamwork.

 

People rise and fall, unconcerned about the sacrifices. The pink of the winds wraps everything in dust and sand, turning start and finish upside down. The scribblings of saci lead me from the back lands to the sea. Lethargy and the cateretê dance. I pursue the greyness that will be launched into the sea when I finally find it. To die at sea or far from the sea. Marrer-de-si.

 

I penetrate the mystery of the high wall that encloses the coastal mangroves. I distance myself from the familiar scenery. Nebulous mountain - a giant by virtue of its own hostile nature.

 

Unknown bad lands extending along the course of shadowy rivers.

 

The smell of the sea comes from who knows where, but it stupefies. Nothing beyond the thicket. The footprints of the sea air are the lichen on the tree trunks and point to the sky. The salt pollinates. Further on, by the water spout, the fountainhead of the evaporated sea, everything flows and Iara washes me.

 

In caeté, the curupira ghost guardian, whisper of the wise and the rufous-bellied thrush. A curucutu owl disguised as a wraith, or an old bagman, seduced by the call of mati-taperê.

 

A brief pause to taste the guava fruit and notice the colour of the tanager. The waters are many and infinite.

 

The repetitive, telluric noise of the path against the foot. The rattle of the footfall that rattles the wood where the rattle-snake rattles. Everything repeats. Oxumaré.

 

From a path that starts in summer and ends in spring, in the softness of the climate. Passing from one side to the other, crossing between the seasons. Rivers and mangroves. Walking on the air, half-closing one’s eyes to the green of the ridge, of the footpaths. A melancholy hill isolated over the sea air, over the maritime nostalgias. Salt-stalgias. The forest appears and the saçurá imps warm their fat potbellies with cambuci rum.

 

The sticky handle and the rusty lock. Barrel of briny water. The rusted fridge and the jammed door. The misted up mirror and the musk-smelling towels. The succulent, poisonous fruit that resembles pitanga. Traps and cages. The window and the wind, opposing forces. The fallen angel and the little orange balls of the electric cables. Far away, the calmness of the waters of Iemanjá, the spirit mother of the vastness and the liquid revolts.

 

To take off into the curiosity of the unknown. A nomad and a stranger in one’s own land. The first road to be surfaced, to be paved. The famous curves of the King’s song.

Piaçaguera Velha • Caminho do Padre José • Itutinga-Pilões • Calçada do Lorena • Estrada da Maioridade • Estrada do Vergueiro • Estrada Caminhos do Mar • Estrada Velha de Santos • Via Anchieta • Rodovia Imigrantes • Rua da Glória, the old sea road.

 

Ever embarking on long journeys and ignoring terms of absence.

 

The sea road here was an obstacle, a steep wall that crawled and clawed up the forest. It was the centre of a trampoline for plunging into the back lands and running from the sea. The ridge isolates.

The sea road from there was a breach in the midst of the sandbar, with a low-blowing wind, which sucked up to the top of the dune. Running to the sea. The beach merges.

The sea road from beyond the sea was a vastness of possibilities. Running with the sea. The ocean carries one way. The sea so close, so far away...

 

Muddy curve of death. The boat at the top of the mountain. Water of the slide. The opaque city beneath the fog.

 

Dreaming of snakes can mean many things. Dreaming of spiders’ webs means a voyage is near. Spiders are descended from aquatic arachnids. The web is a path that zigzags and winds around itself like a snake. It weaves a circular dream of damp cross-threads. A dream that bites its own tail. A low isolation trap. Circular. The silk of the architecture reflects ultraviolet light. Prey and predator. Fragile and flexible. Self-reflexive.

 

From where you can see the sea there is always mist, a grey candy floss of coldness and drizzle. It is from the depths of the sky that the martyrdom of the salt water comes with a hint of sweetness. Sweetness of sugar cane, of homemade buttermilk. Drenched landscape. The opposite of the dream of things focused on the sea. Mar-si-lac. Mar-apé. Proper names.

 

From the valley to the peak to the depression at sea-level. A topographic wave.

 

The marrano and the Indian woman. Sea and land. Adam and Eve of the lowlands. Two parallel roads.

 

There are tides that do not reach the ocean. The one here is a mutable sea chained to moons against the stable ocean of the eternal horizon. A tide that fills and empties. Transverse waves that generate energy. Objects that float, rise and sink without leaving their places. What changes out there in the distance we do not see. Close up, what changes, crushes.

 

The ocean is vastness par excellence. Abysmal. An escape route.

 

Is it possible that you escaped out there? You never knew how to swim, yet every day you floated on the edge of that transparent water showing off the red nail varnish of your submerged feet.

 

From the amphibian past, hands and feet that crawl and wrinkle. Antibodies that survive in marine solution. The memory of what was once our life at sea.

 

What is purely visible is insufficient. This mass of invented blue. The coincidences amaze me.

 

In an unanchored flow, learning to gradually detach, expatiating about rocks to calm my racing thoughts. Leaving the oyster to be the wind.

 

The mole crab that refuses to be caught in PET bottles. Desires that do not follow the currents of the sea.

 

I cannot fail to be moved, contemplating, contemporizing as you taught me.

Sometimes taking snaps of the landscape in movement, cataloguing the gaps between what I saw and what appeared to me.

 

Omnia vincit amor subditorum

 

The mountain range seen from the sea. There is the fort. The high plane, the promised land, the path of Sisyphus. The city of memory and the memory of the city. The memory that produces identity and nostalgia.

 

Piaçaguera Velha, the last Tupi-Guarani village of the Atlantic, gentrified.

 

The landscape changes. The landscape does not change. The landscape deafens.

From teenage dreams, the giant wave that rises out of the calm sea. Tachycardia. Diving, clinging to the deep sand and being overwhelmed by the enormous surf that destroys everything for kilometres. Hiccupping intensely for each of the disappeared.

From adult dreams, the giant wave that rises out of the calm sea. Tachycardia. Diving, calmly holding onto the deep sand and allowing the tremendous surf to pass over. Emerging and realizing that everything continues as before.

 

Waiting and casting the line. Pioneering hamlets that are worn down over time. So different from the sea-less city. The sea of the seagulls that love.

 

The repertoire of cities familiarizes everything. Piratininga • Ipanema • Humaitá • Paquetá

Nilo Peçanha, Jair and Tito, Marlene and Ivo. The landscape becomes lovable.

 

The city with the sea and its legends of ghosts, volcanoes and sea-dragons. The diabolic marine monster, Ipupiara. The city of the sea has its diminutives and its superlatives. The cemetery where the bodies rest above the sea. The buildings that tilt in the sea air. So much more and so much less. So much sea.

 

Lagamar, ubá canoes, dugouts, canoes made from tree-trunks, Lloyds and Brazilians.

 

From the sea road, I unwittingly find the place of the dreams of the girl who owned the notebook that I found in the rubbish when I was a child. I pass through the streets without understanding what was so special about it for her. Understanding how relative the spatial is.

 

Holiday is the Balança Mas Não Cai of Brazil’s first city.

 

It is impossible for there to be a path on which nobody walks. Treading on the path of so many. What comes after me went before me, because it existed before me. An ancient footpath.

 

Tarmac stone under the Serra of drowned forest lands. The Manacá-da-serra tree is white when young, pink when adult and violet when it dies. Travessa das Violetas number 100, house 8. An address that no longer exists. The Quaresmeira tree of the dense fog.

 

The ocean forest suffocated by the turbines of the big city. Extreme harshness. A native tree species disappears, an embaúba arrives. The Quilombo river is the corridor of escaped slaves, resistors. The path of Cazuza. The scent of the jaguar is the broth of lunchtime. A memory from the zoo to familiarize yourself with the forest.

 

Everything that turns around the stone, that lives and exists because there is stone, that is silent because there is loss.

 

Unblocking the nostrils with seawater, even though it is no longer possible to breathe in the water.

 

It is March. The lighthouse and the belvedere. The peninsula and the watchtower. Where the river meats the sea.

 

In the crook of the beach, the omen, the hiccup. Perfect pitch. When there is silence, the beats of the heart. The prolonged breathing that mixes with the whispering of the waves. The moist, cyclical, synchronized, resonant breath. White skin from dry salt. The idle surface of the water. I swim and the sea, nothing.

   

 

Quotes, adaptations and references:

Toledo, Roberto Pompeu de. A capital da solidão: Uma história de São Paulo das origens a 1900. Rio de Janeiro : Objetiva, 2003

Prado, Paulo. Paulística, etc. / 4. ed. rev. e ampl. Por Carlos Augusto Calil. SP : Companhia das Letras, 2004.

Porchat, Edith. Informações históricas sobre São Paulo no século de sua fundação. SP : Ed. Iluminuras, 1993.

Donato, Hernâni. Pateo do Collegio: Coração de São Paulo. SP : Ed. Loyola, 2008.

Jo 1, 1-18.

De Abreu, J. Capistrano. Caminhos Antigos e Povoamento do Brasil. SP : Livraria Briguiet, 1960.

Staden, Hans. Duas viagens ao Brasil: arrojadas aventuras no século XVI entre os antropófagos do novo mundo. SP : Publicações Sociedade Hans Staden, 1942.

Carta de Pero Vaz de Caminha a El Rei D. Manuel I. SP : Dominus, 1963.

http://www.novomilenio.inf.br/santos/h0100b40a.htm

 

« L’image est bien autre chose qu’une simple coupe pratiquée dans le monde des aspects visibles.

C’est une empreinte, un sillage, une traîne visuelle du temps qu’elle voulut toucher, mais aussi des temps supplémentaires — […] — qu’elle ne peut pas, en tant qu’art de la mémoire, ne pas y agglutiner. »

Georges Didi-Huberman, “L’image brûle”

« Dans la fiction bien des choses ne sont pas étrangement inquiétantes qui le seraient si elles se passaient dans la vie, et dans la fiction,
il existe bien des moyens de provoquer des effets d’inquiétante étrangeté qui, dans la vie, n’existent pas. »

Sigmund Freud, “L’inquiétante étrangeté”

 

 

            Du service de vaisselle offert à mes parents pour leur mariage, il ne reste dans mon appartement de la rue Charlot qu’une minuscule tasse à café et sa soucoupe. Elles me paraissent à chaque fois plus petites, comme si, par esprit de contradiction, les objets de notre enfance rapetissaient à mesure que nous grandissons. Je ne sais pas où sont les autres, éparpillées sans doute dans les lieux habités par les membres de ma famille, partageant un placard avec des mugs américains, des rescapés de marchés au puces ou de boutiques de musées, des vestiges d’histoires d’amour ou de collocations.

            Partie immergée de nos icebergs familiaux, ces objets sont autant d’éléments d’une séquence constamment réactualisée par de nouvelles images, de nouveaux objets qui s’imposent à nous, ou dont nous nous entourons volontairement. Comme le verre de lait dans le film Soupçons d’Hitchcock, certaines images flottent au dessus des autres et prennent toute la place. Quelle que soit leur réalité concrète, elles deviennent volumes, images-objets ou images-temps. Elles sont, au sens propre, disproportionnées.

            Les images de Luiza Baldan sont ainsi : images-objets et images-temps, éléments de séquences distinctes, qui tracent les chemins empruntés par l’artiste lors de ses voyages et ses résidences dans différentes parties du monde.

            C’est la raison de mon invitation à Luiza de s’installer pendant un mois dans cet appartement presque vendu, où subsistent, en plus des miennes, des traces de ceux qui l’ont habité, lors de passages éclairs ou de locations longue durée. Je voulais qu’avant que ne s’y écrive l’histoire de quelqu’un d’autre, Luiza y enregistre sa propre expérience, qu’elle y dépose son empreinte et que l’appartement imprime la sienne, comme si son passage pouvait clore quelque chose, signifier ma séparation d’avec ce lieu et son histoire.

            Le hasard – certains diront la fatalité –, ont voulu que cette histoire ne s’écrive pas seulement dans cet appartement, mais aussi dans une série d’autres lieux. Le vol d’une partie de son matériel, le jour de son arrivée à Paris, a contraint l’artiste à se repositionner, à se déplacer dans son propre travail et à le déployer ailleurs, autour et au-delà de la violence de cette intrusion.

            L’exposition Build Up, présentée à la MdM Gallery réunit des travaux qui s’articulent autour de cette expérience singulière de résidence, dans ce qu’elle a comporté de discontinuités et de déplacements. Certaines images antérieures sont aussi présentées, comme celle des ballons coincés dans des branches d’arbres, dernier cliché réalisé à New York avant le voyage de Luiza vers Paris.

            Cette image est agrandie et occupe un mur entier de la galerie, de sorte qu’elle offre une ouverture dans l’ouverture, installée dans le prolongement de la vitrine. Comme très souvent dans l’oeuvre de Luiza Baldan, elle porte une ambigüité: la perspective qu’elle propose est perturbée par les ballons agglutinés qui empêchent au regard de s’évader.

            Il s’est passé quelque chose, ou il va se passer quelque chose, mais nous ne savons pas quand ni comment l’action prend sa place. Au sol, un texte défile sur un écran noir. Il semble avoir été détaché des images accrochées au mur. Le regard n’a pas assez de recul pour les saisir toutes ensembles, les combinaisons possibles sont infinies. Le fil de la narration est coupé, une « inquiétante étrangeté » s’en dégage.

            Cet effet de gêne est accentué par des distorsions d’échelle – la photographie d’un tronc d’arbre ou d’un bâtiment est imprimée au même format que la petite tasse héritée de mes parents –, mais aussi par des compositions de transparences et de reflets. Des contrastes forts cohabitent, s’entrechoquent d’une image à l’autre et souvent jusque dans les images elles-mêmes. Dans le piano de mon enfance se reflète un placard ouvert, comme si le noir de son vernis pouvait témoigner à retardement, à l’instar des pellicules polaroïd.

            Ces différents empilements imprègnent peu à peu l’ensemble de la séquence, et font monter une tension, comme au cinéma les build up tiennent en haleine le spectateur dans les films à suspens, jusqu’à ce que les lumières se rallument et que chacun reprenne le cours de sa vie, subtilement habitée d’images et d’émotions nouvelles.

‘Image is far more than a simple cross-section taken of the world of visible elements. It is a sought after imprint, a trail, a visual drag of time, but also of additional time— […] — that it cannot, as an art of memory, prevent forming there.’[1]

 

‘There are many things in fiction that are not uncanny that would be if they took place in real life, and in fiction, there are many ways of evoking uncanny effects that do not exist in life.’[2]

 

From the dinnerware set given to my parents as a wedding gift, there is only one tiny coffee cup left in my apartment on Rue Charlot. Each time they catch my eye they seem smaller, as if, in a contradictory spirit, objects from our childhood were shrinking as we are growing up. I don’t know where the others are, no doubt dispersed in places inhabited by members of my family, sharing a cupboard with American mugs, diehards from flea markets or museum shops, memories of love affairs or flat-shares.

 

These objects are the tip of our family icebergs, they form a sequence that is constantly updated by new images, new objects that take over us, or that we willingly collect. Like the glass of milk in the film Suspicion by Hitchcock, certain images float above others and take up all the room. Whatever their reality, they become volumes, images/objects, or images/time. They are literally disproportionate.

 

Luiza Baldan’s images are like this: images/objects and images/time, elements of distinct sequences, which trace the paths taken by the artist during her travels and art residencies in different parts of the world.

 

This is the reason why I invited her to spend a month in this apartment on the brink of being sold, where, in addition to mine, there are traces of those who have lived there, during flying visits or long-term rentals. I wanted the artist to record her own experience before someone else’s story would begin to take shape, for her to leave a mark upon the apartment and for the apartment to leave its marks upon her as if her visit could draw something to a close and signal my separation with this place and its history.

 

Chance - or some say fate -, led this story to unfold not only in this apartment but in a series of other places. The theft of some of the artist’s equipment, on the day of her arrival in Paris, forced her to regroup, to move around with her own work and deploy it elsewhere, around and beyond the harshness of this intrusion. 

 

The Build Up exhibition, presented at MdM Gallery, gathers works hinged around this singular residency experience, in the discontinuity and travel it entailed. A few previous images are also exhibited, like the one of balloons stuck in tree branches, the last shot taken in New York before the artist’s trip to Paris.

 

This image has been enlarged and takes up an entire wall in the gallery, so that it provides an opening in the opening, as it’s installed in the extension of the window. It is quite ambiguous as is often the case with Luiza Baldan’s work: the perspective provided is impaired by the mesmerizing balloons that are stuck.

 

Something has happened, or something is going to happen, but we do not know when or how the action takes its place. A text scrolls on a black screen on the floor. It seems to have been detached from the images hanging on the wall. There is not enough distance to grasp them all together; the possible combinations are endless. The narrative thread is cut, and the Uncanny emanates.

 

This unsettling effect is accentuated by distortions of scale – the photograph of a tree trunk, or of a building is printed in the same format as the small cup inherited from my parents –, but also by compositions of transparencies and reflections. Strong contrasts coexist, clashing between images, and often continue on into the images themselves. For instance, an open cupboard is reflected in the piano from my childhood, as if its black lacquer could provide a delayed testimony, like in Polaroid films.

 

The disparate accumulation gradually permeates the whole sequence, and builds up tension, like in the cinema the build-up keeps the spectators on their toes in suspense thrillers, until the lights come back on and everyone continues with their lives, imperceptibly inhabited by new images and emotions.


[1] Georges Didi-Huberman, ‘The Image Burns,’ Thinking through images, centred around the work of Georges Didi-Huberman, texts collected by Laurent Zimermann, Nantes, Éditions Cécile Défaut, 2006, p. 11-52, p. 51.   [2] Sigmund Freud, ‘Uncanny,’ (Kindle), Chapter 3, Thriller Editions, 2013  

“Obra e vida se misturam em uma performance dilatada, que começa em casa e se alastra pelo prédio, pelo ateliê, pelas ruas, em reflexões sobre um cotidiano aparentemente bastante conhecido. A obra não tem um fim em si mesma, é uma experiência recorrente que vai mudando de endereço de tanto em tanto, extraindo, matéria de suas próprias dobras. Obra dobra.”

Luiza Baldan, Corta Luz, 2013

En 1967 Bruce Nauman colocaba en la ventana de su estudio, una vieja tienda de ultramarinos en San Francisco, el neón The True Artist Helps the World by Revealing Mystic Truths (Window or Wall Sign) – El verdadero artista ayuda al mundo revelando verdades místicas (ventana o signo en la pared) – ,

imitando a los anuncios de cerveza que veía en los escaparates de las tiendas cercanas. El texto en

espiral juega con la seriedad de una declaración de principios presentada como un reclamo comercial. Esta pieza fue expuesta en el pabellón estadounidense de la Bienal de Venecia de 2009.

Con ocasión de esta muestra Nauman declaró a la revista “The Art Newspaper” que la adopción de este tipo de anuncios vino de “la idea de usar un signo que podía ser leído desde fuera pero también desde dentro”[1].

En julio de 2013 Luiza Baldan mira por la ventana del apartamento que ocupa en el edificio Copan, y a través de ella ve las otras ventanas de los vecinos de los edificios colindantes. En una

de ellas está dibujado un corazón. Se ha fijado en él porque es una forma que se ve igual desde dentro que desde fuera. Pareciera una declaración de intenciones de mirar a la realidad diaria con un pensamiento que se desdobla anulando la separación entre el interior y el exterior. Durante el mes en vivió en el Copan y trabajó en un taller temporal dentro de PIVÔ fue registrando en sus fotografías, videos y escritos la rutina diaria creada como una habitante más de uno de los edificios más emblemáticos de la arquitectura moderna brasileña. La experiencia, “uma internação extrema por tempo determinado”, se fundamentaba en recorrer, mirar y revelar. El resultado se expuso en la sala que albergó el taller donde situó las imágenes con la misma orientación que ocupan en la realidad, junto con el texto elaborado con las impresiones de su vivencia.

Para Baldan los lugares que habita son entendidos como “espaços- recipientes da existência”[2],

pasados y presentes. Sus referencias poéticas, nunca cerradas ni concluidas sino desplegadas como apuntes, son concebidas como un registro de pliegues que acontecen en este discurrir diario. La artista plantea una invitación a apreciar esas conexiones espaciales y vitales, mirando el alrededor como un continuo y revelando la acción (moverse, recorrer, mirar, hablar) como un conector entre exterior e interior dentro del entramado social. Esta acción recoge el testigo del pensamiento neoconcreto, aquel que Lygia Pape transmitía a sus alumnos en las caminatas por la favela del Maré en Rio de Janeiro en 1972: “Eu quero mostrar uma nova realidade estética e poética vital. Seria como uma REVELAÇÃO. Minha intenção no meu trabalho e minhas aulas neste momento se mostram intenficicada (sic) em vivencias externas e diretas de interpretação do mundo”[3]. Es incuestionable la herencia que Oiticica, Clark y Pape han dejado en la siguientes generaciones de artistas brasileños. Se percibe en la ruptura de límites y superación de los espacios clásicos del arte que hace encarar la actividad artística como vivencia desde el yo en conexión con el otro y en extensión con el colectivo. Sus obras construían una vivencia fluida entre el cuerpo, el interior y exterior. En Luiza Baldan la construcción no es sin embargo literal, no hay una instalación u objeto a ser manipulado que potencia las relaciones vitales en un acto fuera de la cotidianeidad. La obra, como ella misma describe, es la acción de desdoblamiento en la circulación por un continuo identificado en la realidad. La exposición sería testigo de ese proceso y punto de reflexión para que el espectador, el otro, salga fuera y mire con otros ojos esas mismas relaciones vitales. El interés de este trabajo, y pensando en su desarrollo y exposición en PIVÔ que busca el hablar

sobre proceso creativo, radica en la elección misma de un proceso artístico contenido en primera instancia en la rutina de mirar lo cotidiano. Los registros efectuados transmiten inmediatez, las

fotografías podrían ser banales, la grabación es un ruido blanco. La acción de arte borra los límites entre casa – taller, se dobla y pasa más allá, los espacios se duplican anulando sus singularidades

en pro de una unidad continua. Los espacios elegidos en este devenir de Baldan no son fortuitos. Ya ha pasado en Rio de Janeiro por el edificio Rapozo Lopes, en Santa Teresa o el Conjunto Prefeito Mendes de Moraes, Pedregulho, en Benfica.Todos ellos remiten de algún modo al sueño de la utopía modernista del Brasil de los años 50 y 60 en que se construye esa idea de “país de futuro”, programa direccionado desde el gobierno en una especie de despotismo ilustrado impuesto en su máxima potencia en la trama urbana de Brasilia. Siguiendo preceptos lecorbusianos, esta nueva arquitectura se basó en construcciones simples y puras sobre pilotes en los que los vanos abiertos bajo los edificios dejaban el suelo para un uso comunitario abierto, sin límites y monumental. Óscar Niemeyer (1907-2012), y este edificio cuyo primer proyecto fue hecho en el año 1951, respondían a estos ideales. La llegada de la dictadura (1964-1985) influyó directamente en el desarrollo del obra, con la salida de la inversión extranjera y las modificaciones posteriores, inaugurándose en 1966 con numerosas modificaciones sobre el proyecto original en forma y usos. Volvía a imponerse un modelo de sociedad de soberanía, y consecuentemente de espacios cerrados y controlados. En las siguientes décadas, tanto por razones económicas como sociales el centro de Sao Paulo, y con él el Copan, sufrió un proceso de abandono, degradación y recuperación posterior adaptada a nuevos usos. Estos lugares, y sobre todo sus nuevas comunidades, son el campo de desarrollo de la propuesta de Luiza. Su acción de convivir, mirar y revelar sus impresiones, busca la reflexión sobre la habitabilidad o no de estos espacios, suponiendo las relaciones entre el yo y el otro como imprescindibles en la construcción de un espacio social. Era claro que el Copan y el PIVÔ, con sus ambientes abandonados durante 20 años y que ahora están siendo ocupados para actividades culturales, uso totalmente diferente para los que fueron pensados y para los que fueron usados, era un “hábitat natural” para el desarrollo de un proyecto como Corta Luz. La experiencia no es sólo significativa por la invitación a través de las fotografías, video y sonido de ruido blanco, de mirar desde la rutina el entorno del centro más allá de estereotipos arquitectónicos. En la acción de Baldan se personaliza la ideología de la arquitectura moderna, pero no la de grandes espacios de una monumentalidad impositiva sino la que evoluciona en el brutalismo, presente en propuestas como las de Lina Bo Bardi. En palabras de la propia Lina. "Arquitetura é ver um velho, ou uma criança, carregando um prato de comida, caminhando com altivez, com a dignidade de um ator de teatro no palco, desfilando, num dia qualquer da semana, no Restaurante do Sesc Pompéia”[4]. Habla así de un pensamiento de arquitectura definido por sucesiones orgánicas del espacio en un continuo, no impuesto sino desvelado. Esa concepción de la estructuración espacial no como límite sino como lugar que se puede atravesar y donde surge la convivencia es heredero del concepto filosófico de pliegue que describe Deleuze. En el estudio de José Morales se describe esta relación: “La imagen mental que tenemos cuando hablamos de pliegue, avalada por todo el mundo imaginativo que puede deducirse de las reflexiones de G. Deleuze y F. Guattari plantea enormes sugerencias. Una de las implicaciones más interesantes sería la dificultad para distinguir y situarnos con fijeza y claridad en un espacio. Estos lugares pasan del dentro al fuera, poniendo en crisis el concepto de recinto y, por supuesto, el de estancia. (…) Pero quizá el mayor interés esté en el descubrimiento de un espacio de relación e intercambio a la altura de las nuevas organizaciones e intercambios sociales”[5].

Con esta residencia y la exposición de su resultado, Baldán da a ese pensamiento aplicado a la arquitectura una nueva lectura, un nuevo pliegue llevado a la experiencia artística como lugar sin

límites de convivencia e intercambios entre el sueño, la memoria y la realidad.

El pistolero Maicol Poblete, ojos verdes y aproximadamente 30 años, siempre va acompañado de cuatro comparsas, entre ellos, el famoso Chano Maricón. Con su bando, el bandido circula por la zona plana de la ciudad de Valparaíso, más precisamente por el entorno de la aduana y la Iglesia la Matriz, aterrorizando moradores y pasajeros. Dicen que robó un camión de gas en el Camino Cintura, además de otros tantos delitos violentos. Por lo que cuentan, el historial del delincuente es extenso. Nadie sabe ciertamente si lo detuvieron en el pasado, pero la denuncia anónima que recibimos en un papelito escrito por manos nerviosas con bolígrafo azul era una señal evidente para que lo capturen de una vez.

Cuando sucedió el robo, los insultos salieron en todos los idiomas, pero nadie interceptó al Poblete ni a su pandilla, que rápidamente se dispersó entre la multitud que transitaba por la calle Cochrane a las tres de la tarde. Comerciantes observaron atónitos de ventanas y aceras, murmurando en silencio "allí va otra víctima más del cabrón, hijoeputa, conchatumadre". El mal parido corrió justo lo necesario para subir la calle Cajilla y perderse por los meandros de su barrio, próximo a la comisaría de investigaciones, la llamada PDI.

Justo en esta jefatura, el policía que registró lo ocurrido y recibió dos días más tarde la acusación sin remitente, también se apellida Poblete. El cual, cuando no está en su traje negro despachando en el interior de la oficina, va por las calles usando un uniforme de camuflaje montado en una moto blanca y verde, en versión guerrillera de funcionario burócrata. Delante del papel amasado, se limitó a esbozar una sonrisa condescendiente, ambigua, sin indicar ningún espanto, porque además de conocer a la cuadrilla, sabe el sitio exacto donde se esconde. Y si acaso no esté mancomunado con ellos, podrá incluso hacer una búsqueda en el lugar por los bienes hurtados, dándoles una paliza para descubrir el paradero final de la cámara fotográfica.

Tras lo ocurrido, carros policiales de distintos portes se anunciaron en todos los rincones de la plaza, pero se callaron al sonido de la sirena de un barco que atracaba en el puerto al caer de la tarde. Es casi imposible no detenerse frente a estos ronquidos periódicos, mucho más poderosos que las campanillas de la iglesia, pero no menos ensordecedores que el canto de las gaviotas que, siempre en bando, estremecen lo que hay en medio. Pasado el tumulto, sólo silbatos y alarmas de coches se oían, mientras Poblete desaparecía por los confines de la ciudad.

Sin grandes novedades sobre el caso, algunos habitantes se reunieron en la plaza para comentar el tema, todos anónimos hablando en código. Un bautismo se celebraba en la iglesia, entre familiares y fotografías,  la paz parecía reinar hasta que otra mujer fuera atacada por colegas de Poblete y Chano. Muchos corrieron por la calle de la Matriz en vano.

De ahora en adelante, todos los que pasan por la calle Santo Domingo nos parecen sospechosos. Se busca un infractor que no teme la ley ni la lengua afilada de sus vecinos. El ciudadano se olvida de que vive en una comunidad latinoamericana, seguidora de las telenovelas y de los finales felices, en un barrio donde la iglesia alimenta a sus fieles menos favorecidos y los perros toman sol diariamente en la plaza pública. Si a los ojos de Dios somos todos iguales, a los ojos del hermano Poblete es el demonio.

La caza al bandido empieza en la Matriz y sigue en dirección a Viña del Mar. La velocidad de la fuga contrasta con el ritmo pacato de la ciudad, en particular con el tren más lento del mundo, aparcado en el Paseo Weelright, un poco después del Muelle Barón. De lejos se avista lo que queda de los vagones abandonados, chatarras carcomidas por el aire del mar. Allí se encuentran historias de todos los tipos, desde los viajeros que pasaron, hasta los muertos que aun se homenajean con animitas floridas. Retratos 3x4 de personajes incógnitos con rostros desconocidos adornan paredes y ganan títulos y frases de amor. Incluso algún pariente de Poblete podría figurar en aquél mosaico de fantasmas anónimos.

           

            ||

 

            Encontré el tren más lento del mundo cuando trotaba por el Paseo Weelright en la tarde del domingo 22 de julio. De lo que parecía una pesadilla, entre graffiti y cristales rotos, se oía Clair de Lune, de Debussy. Una placa anunciaba la venta de café y té, con lo cual me animé a subir las escaleras oxidadas. De arriba se veía, se oía y se sentía el mar por todas las ventanas, mientras pasaba veloz el ferrocarril que sigue funcionando rumbo a Limache. En un rincón iluminado por el sol filtrado por cortinas rojas, notas musicales salían de un piano vertical alemán por las manos de un filósofo colombiano. No sorprende la internacionalidad del momento considerando un convoy tumbado delante de uno de los puertos más importantes de la historia de la América del Sur. El tren es el más lento del mundo porque está anclado en el tiempo. Al embarcar, fui transportada a un pasado imposible de localizar, en suspensión, distanciándome casi que de inmediato de la realidad en que estaba inmersa. El hechizo era de un tamaño que no percibí que se hacía de noche y que otros curiosos también se habían acercado. Sólo me enteré cuando el piano se calló.

            Un chileno de descendencia Vasca, Carlos Albarracín, vive en el tren y ofrece clases de música, allí mismo, en la ferrovía frente al mar, inmerso en todas las historias que allí tuvieron lugar. El único piano con que tuve contacto en la vida fue el de mi padre, que también se llamaba Carlos y convivía entre pescadores. Nunca aprendí a tocar el instrumento, pero en aquél vagón, sin referencia clara del tiempo local y protegida de los criminales que me afligían, empecé a tocar. En el piano, que en italiano significa "suave", los recuerdos brotaban como un torbellino y las imágenes me chorreaban por los dedos incapaces de reproducirlas fielmente. Sin la métrica correcta, no me importaba cumplir la acción, pero perdurar el gesto, el aprendizaje poco didáctico conducido por un señor de nombre Carlos, que poco a poco me introdujo una nueva posibilidad de vivir Valparaíso.

            De la rutina hice un ritual, de caminatas extensas por el muelle, recorriendo día tras día un mismo camino con olor a pescado y canto de gaviota, que de ensordecedor se hizo melódico. Centenas de pasos en silencio para dejarme arrebatar por la experiencia en una continua contemplación de un paisaje repetido que permite admirar lo cotidiano como extraordinario. Pero el transcurso de la práctica musical carecía de sensibilidad semejante a la que me llevaba al piano diariamente. Faltaba disciplina y entendimiento entre las partes. El instrumento se quedó corto y congelado, anunciando la lluvia y actualizando el tiempo, de modo que todo se reasentó en su sitio de origen sin más disparates. De alguna manera, cerraron las cortinas del convoy y prendieron las luces para que yo pudiera bajar.

            Cuando se terminó el temporal, sentí un enorme vacío por reconocer la pérdida. Mis cuentos se sumaron a tantos otros olvidados en el tren y no más me pertenecían. Sin embargo me di cuenta de que los acordes no eran sólo melancolía y que con ellos podría inventar y volver a contar historias con notas que no requieren traducción. Conseguí registrar imágenes aún sin hacerlo visualmente. Si me robaron un ojo, me dejaron los oídos. Y con esta percepción, la práctica ganó fuerza una vez más, sin grandes devaneos o atmósferas oníricas, extendiéndose por las mismas calles donde me había perdido en el inicio del viaje.

            En cada cruce de Valparaíso encontré tonos, desde el popular hasta el erudito, en voces, alto-parlantes, pregoneros e instrumentos de todos los tipos, provenientes de distintas partes del mundo, que llegaron hasta aquí por las manos de residentes y turistas, modificando por completo el paisaje urbano. Mariposa y Alejandro, Milca y Mauro, Fernando y Soledad, Gonzalo y Juan Carlos, Jorge y Claudio, Mati y Nico, Pablo y Carlos, Rosario y Daniel son sólo algunos de los muchos personajes que constituyen el extenso mapa sonoro que ilustra e indica caminos en la ciudad.

            De los músicos que conocí, me acerqué especialmente con Catalina Jiménez Torres, pianista de personalidad impar, que jamás podría describir en la bidimensionalidad de una fotografía. Nos conocimos en el Café Paseo, en la Plaza Aníbal Pinto. Entre un té, una cerveza y algunos cigarrillos, hablamos de nuestras vidas lo suficiente para que yo confiara en ella como comparsa en la meta de aprender a tocar el piano en un mes. Fue Catalina quien me enseñó, sin paternalismos, a apoderarme del instrumento, hacerlo mío, sentirlo, tocarlo. Dejé el universo colorido del arte visual para meterme en un mundo de teclas blancas y negras donde ya no más podía controlar el tiempo, pero obedecer lo que me era determinado. Con las manos tensas y tímidas, aprendí a relajar para que los dedos fluyeran con destreza, adquiriendo la firmeza característica para el sonar de las notas.

            Poco a poco, entre caminadas y encuentros, empecé a coleccionar paisajes y retratos a través del sonido. Grabé el ruido de las calles y pedí a los músicos que me compusiesen cinco segundos en compases de cuatro cuartos para que yo pudiera tocar. Como en un juego que aquí llaman el luche, fui recolectando a cada paso un fragmento que, cuando estuvieran reunidos en una sola partitura, representarían una de las muchas posibles lecturas de Valparaíso.

            En la dinámica de ser guiada por la sonoridad de los habitantes de la ciudad, conocí a todo tipo de personas, lugares, historias y nostalgias. Estos registros, cuando fueron transcritos a la música, se distanciaron de los pormenores subjetivos de los resentidos, positivistas, de izquierdas y derechas, manteniendo la imagen descriptiva del instante en que fueron grabados. Una vez, en la esquina de Templeman y Almirante Montt, fui obligada a disminuir el paso y girar el cuello porque Claudio tocaba un organillo con su loro Pepe, desacelerándome y permitiéndome distinguir el rostro de las personas que estaban al rededor. En otra ocasión, por la ventana de casa, vi a Jorge tocar el violín en su salón que queda a tan sólo 5 metros del mío. En todos los casos, la música proporcionó la percepción visual del momento, reviviéndolo siempre que suena. La canción estimuló los sentidos, disfrazó la vergüenza y promovió la reunión entre desconocidos. El sonido antecede el encuentro y hace que permanezca la imagen. 

            Con la transferencia de visualidad a sonido creé El luche, una obra compuesta no sólo por timbres, sino también por la ausencia de los mismos, por silencios y por tantas notas prometidas y que ni siquiera fueron escritas. En ella se encuentran personas y hogares que conocí, entre amigos y amores, fracasos y alegrías, mirantes y paisajes, reunidos en fragmentos disonantes, que no respetan la lógica harmónica de una canción, en pulsos variados dispuestos lado a lado, privilegiando el orden del recuerdo para contarme de nuevo las experiencias que he tenido en esta ciudad. Los aportes se organizan prácticamente solos, evidenciando rupturas y encadenamientos felices en el encuentro de las notas. Cada grupo de compases me lleva al día en que conocí aquél que suena en el piano. Con la colaboración de Catalina, existe hoy una partitura producida en Valparaíso que puede ser tocada en cualquier momento, por cualquiera, en cualquier parte del mundo, y que se queda como el único testimonio físico del proyecto además de estas palabras.

            Componer una partitura reuniendo imágenes es como juntar partes de una historia inacabada, imposible de ser reconstituida linealmente. Como en el luche, de casa en casa se tira una piedrecita para llegar al cielo, sabiendo que es necesario volver para recoger la misma piedrecita y seguir jugando. Tocar la obra delante del público, en un teatro con 100 años de existencia, es una manera de contar esta historia inacabada, reverberándola en su sitio de origen, para que pase también a pertenecer a la historia de la ciudad.

            Me acuerdo de la melancolía al dejar el tren y reconozco el luto en aquél acto, con lo cual, felizmente, pude dar continuidad a los capítulos de este viaje, que transciende la geografía y se materializa a través de la obra.

Guilherme Bueno (2012)
Luiza Baldan: São Casas

… And then the train stops. At this moment, someone turns and glances in the direction of the camera. And another, all of them are curious to know what it is doing there; what it intends to record. Anxious to place themselves fortuitously in its view, to become part of the film, knowing that if someday they see it and recognize themselves mirrored there, they will be entering another time; part of what was perhaps one of the last legitimate possibilities of monumentality in modernism — cinema.


This description of the final scene of Billy Bitzer's 1905 short film in the New York City Subway helps us to understand the works of Luiza Baldan, here on display. If we leave substantive issues aside (our revelation of the documented act as the simultaneous gesture of timelessness and an affirmation of the present) like contingencies (the human presence in the first, contrasted with eventual human absence in some of the works by the artist), two issues resonate: the appearance of urban experience and, above all, the role of temporality in the image. To put it another way, a quality inherent in the image establishes the image's own time and, to use a popular term of the common domain (place), “freezes” everything: light, landscape, the world. From this arises the imprecise feeling of ambiguity in her images, the flagrant sharpness, now visually stunning, now dry in its austere formality, accentuating our inability to determine the where, when, how, and why normally expected of a photograph or a film. Therefore, I dare say, it matters not if the photograph is

inhabited, what matters is that each image be self‐evident, and autonomous.


To speak of the autonomy of an image in relation to works of art that make us confront the urban universe seems contradictory at best. But maybe it is just this point that brings the threshold of the image to our attention. After all, on the one hand, there is, a kind of “staging” or, better, a dissection of the component codes of the image: a calculation of a determined gesture, the pose (or the subject posing), appearing and repeating the way it wishes to be registered, and we have the acumen to understand how captured light, in addition to creating “atmosphere,” fills it with volume and space. On the other hand, just to be clear, if all things (places and issues) were equal, this can only happen within the limits of the photographic space, because even framed and pasteurized in various constants perceived by the artist, it strives for singularity or, if you will, an identity. Moreover, it is impossible to remain indifferent to these seemingly open‐ended places, in fact, they are where we live and coexist, whether we realize it or not. Her video installations also alternate between fully autonomous and "staged," accentuating the fluidity of the boundary circumstantially separating these states. After all, the very idea of staging implies the presence of a spectator. The spectator

inhabits the images (and becomes an “involuntary actor”). In turn, the spectator puts himself within the scene onto which he projects himself. In other words, the spectator takes on another identity, even if provisionally, in an ephemeral space, transposing one locale (the origin) to another (the room where they are displayed), instituted in the latter configuration that goes beyond the original. Space – an abstract category ‐ is transformed into a place, or fitted with significance.


To sum up, regarding the temporality of an image, I return to my comparison of the 1905 film with various photographs made by the artist in the Conjunto do Pedregulho, 2009. In the final scene in the subway, disturbing the supposed indifference of the “characters” when they perceive the camera, some correct themselves or control their attitude because they sense what it would cost them to be condemned to eternity in an inappropriate posture. In the Pedregulho photographs, the artist calculates gesture, chooses the corresponding outfit translates it, and the objects that surround her. Beyond the logic of the portrait, with its task of revealing whom it is about and how she should be seen, the picture contains all the elements that time will devour, but that will also seem saved by the protective mantle of the image. Anticipating a future archeology of the twenty-first century, one might perceive the image as a statement for posterity, and an antidote for amnesia. Arcadia of bytes.

It is difficult to associate Carandiru to anything other than São Paulo’s penitentiary. In 2009, little is seen or known about the Carandiru in Rio de Janeiro, a site built by RFFSA, connected directly to the Leopoldina Station, which nowadays lodges the headquarters of samba schools (called barracões). Located next to the Novo Rio Bus Station, the complex goes unnoticed by most passers-by.

At the main entrance, people drink Coca-Cola and play dominoes amongst parked food carts. The tall grass covers the railway line and it is necessary to walk a bit to find the barracões. The first one I identify is a roofless ship. It is the remaining structure of a huge train storage, which also accommodates a family and at least eight dogs. They say Pretinha ate the rabbit.

The weather washes away the past carnival decorations, which now appear to be from 1985. Objects have their shiny fabrics lacerated and faded to pastel tones, revealing their cork carcass. Even decadent, the idea of revelry is still present in everything that is left, not because the scenery is particularly beautiful, but because it stirs the imagination. Scraps from the previous year serve as raw material for subsequent productions, ensuring that the fun never ends. Rather, the accumulation in a single ornament brings enrichment, at least regarding history and memory.

I intend to deviate from the negative aspects of decay. Instead, I am interested in the endurance of those barracões and their linear history, as well as the latent and frantic movement during the pre-carnival work, involving both disintegration and gathering of materials. I think about the train garage and its employees who were replaced by these barracões and samba schools; the dirt floor that gets recycled every day without ever losing part of its original composition; the intensity of the four months in which all efforts are focused on the arduous task of producing carnival floats and complex costumes for a one-day show, or two at most, in a ceremony that lasts less than one hour; the concentration and dissipation of human presence; the abandoned garments, and the waste that is revealed when the floats depart and leave a drawing on the floor; a space contracting and expanding.

I linger on the overlapped layers of time and architecture. The main warehouse is monumental, as well as most of the apparel and floats spread in its interior. It is like a factory of giant puppets, a fictional world where fake doors connect nothing to nowhere.

On the outdoor plain, plastics, rubbers, and sequins huddle and build corners. Large objects stand alone like sculptures in the void. Shipwrecks and angels. Rusty wagons covered by vegetation camouflage themselves in the landscape. The landscape turns them into hills. A long trail leads to a distant civilization.

Carandiru is an inhabited place distinguished by routine and multiplication of time, impregnated with residues. I sought to photograph it in the recess of the carnival, focusing on found remnants, which could tell stories about the place. The photography, in its ability to combine pasts and presents, embodies an instant, a lightning bolt, exposing a scene where time is suspended.

--

Carandiru no longer exists. It was demolished to make way for the ‘Porto Maravilha’ project.

Mauricio Lissovsky (2009-2010)
The discovery of porosity

"Porosity is the inexhaustible law of that life, to be rediscovered."

Walter Benjamin

 

In 1924, Walter Benjamin visits Naples and discovers an architecture porous like the rocks. Double porosity: of space, where every private attitude is "inundated by currents of communal life," the balconies, windows, gates, and roofs "are at the same time stage and box"; and the porosity of time, for "there time, for "there is a grain of Sunday in every day of the week." In Pedregulho, Luiza Baldan rediscovers one of her laws. If she leaves the apartment door open, it is because she is in the mood to talk with the children and participate in the barbecue with the neighbors. The opposite is to show signs of loneliness - and this, probably, is not something to be done.

 

There are no extraneous interiors in Luiza's photographs. Only this one, the apartment where Dona Leda lived with her porcelain dogs. The biggest of them all, a plush one, peeks at the bedroom door to await the arrival of the new resident. A green light takes over the room: "You may enter." The arrival is delicate.

The first porosity of the photograph: the absence that it makes present, the disappearance that makes it recent. The pink plastic curtain, translucent, reminds us of this particular permeability, capable of impregnating with experience even the most kitschy of scene objects. The photograph is this vase of sunflowers, equally plastic: an ever-living still life. Luiza writes in her blog: "the objects still warm, porcelain dogs barking quietly on the bookshelf". Miniatures and ghosts have something in common. They are beings of the crossing, porous by nature. Just as ghosts inhabit the threshold between the living and the dead, miniatures walk the thin line between childhood and adulthood. "Aunt" Luiza follows the children who open the paths of Pedregulho to her.

 

Second porosity of the photograph: playfulness and magic. Power to transform the small into the big, the sad into the comic. Everything now is exchange, transformation. The camera changes hands, the children change faces. They exchange images, places, Juquinha candies. Portraits are exchanged for self-portraits.

 

[All this movement of exchange is ironically mediated by a Lubitel camera: the old Soviet technology rediscovering the lines of international-modernism in a tropical tropical working-class neighborhood].

 

There is an ongoing inquiry in the ways of Pedregulho, a question that how can a place become its own? Any place and this place in particular? The artist realizes that in this building this question is even. There is the barber's chair that has always been here, there is the corner of the Christmas tree that is only there at this time, there is a piece of ground where now there is nothing more.

 

Third porosity of the photograph: restitution. For there were, in fact, two residences: Luiza's in apartment 613, and the images in the latencies of film and memory. When the portraits return from their photochemical exile, the Place finally reappears. Pedregulho rediscovered by itself in its forgotten beauty, porous stone diluted in inhabitance. The photograph, which returns as object, is the membrane-cobogó that restores the here and now of distance paradox that only affection can fill and sustain.

[Now everybody wants to take a picture: "How beautiful is the building! The residents rediscover themselves as neo-politans, inhabitants of a city to come]

 

Porosity is the technique of cities. The image is its theory.

Luiza Baldan (2009)
Natal no Minhocão

Christmas at the Minhocão, 2009 / Luiza Baldan

8:00 am I clear out my apartment on Paulino Fernandes Street.

The furniture is moved to my new house in Dona Mariana Street.

I feel a terrible pain and cry compulsively. I am afraid of the unfamiliar.

A supernatural fatigue takes over me and fragility is inevitable.

3:00 pm I meet my family without planning to do so.

We have lunch together, as we have not done for a long time.

6:00 pm I arrive at the Minhocão, the location of the artistic residency, and my current permanent home until the 20th of December. Fear turns to relief. The unknown becomes my neighbor. Mrs. Leda’s Apartment 613 becomes my house. This is not a hotel, it is my home.

It has been 17 years since my dad died and I was forced to move for the 8th time.

Today I moved for the 26th.

I saw my family and I said goodbye to them.

I met a new family.

I was welcomed with warmth, affection, and attention.

The fear of the unknown ended with kindness.

There are plenty of windows in this building of plenty.

I have the feeling that everything has been left behind.

I feel so far away from the recent present and so close to any old past of small towns

and beloved neighbors.

The apartment has a view of a tower and the atmosphere of a home.

I am sheltered amid the belongings of Mrs. Leda.

It has been three months since she left.

The objects are still hot, porcelain dogs bark silently on the shelf.

I wonder about the life she had with the family I am actually living with.

I make portraits in order to honor those who live here.

I see a certain tenderness of thanks in their eyes for my simple and affable gesture.

I participate in the joy of the corridor – part street, part courtyard, part living room –

where the children lie, I lie, food is prepared, and beer is shared amongst music and conversations.

I respect this home as if it was mine.

Now it belongs to me.

I see stains of water infiltration all over the ceiling, but they just do not bother me.

I turn my head towards the picture of Jesus Christ with a small rosary hanging on it and I feel happy.

Fireworks, football chants, and many other sounds lull my night.

It is good to be alone in silence.

There is a moment of peace in which rest is needed.

I no longer press myself with decisions.

I live every moment intensely, not too much or too little, but in a genuine way.

I want to be here and all the rest I could not care less about.

I do not mind the precariousness of the place.

This does not stand out in my romanticized experience of this house.

I live another decade in these 15 days of 2009.

Today there was no running water.

Ilka's mother died.

The children's father beat his wife and pointed a gun in front of the girl.

I cried and played with the children at the same time since it seemed more reasonable to try to distract them.

D. has been hitting M. for six years.

They had two sons and she became a mother at 14.

Today she is 21 and will spend the night out.

The kids handle the old-fashioned Russian camera and play astounded.

They want to press the shutter release even before framing the photograph.

Curiosity is beautiful and animates the process of living.

There was a boy who was especially interested.

Seriously and shyly, he took the camera purposefully.

Each child has a particular charm.

A sum of mini-personalities that make this place unique.

They drew until bedtime.

Guava juice + grape juice + guaraná + colored pens + crayons + paper + guaraná +

paper + pens + guaraná + TV + house keys + sleep

I like to sleep sniffing mommy’s feet.

Her feet smell good.

She was dating the grocer who died.

Nowadays the uncle takes care of the shop.

He brings fresh bread in the morning and travels to Campo Grande for the weekend.

Here in the corridor we are a family.

There was even a plan to join the flats, opening a window between the rooms for

more private conversations.

But they were afraid of the aunt on the other side because she was very troublesome.

We are the fourth generation of women.

The families grew up together, multiplied.

The lady from 614 is the godmother of the one from 612, who is the godmother of the one from 614, and so on.

They found an abandoned puppy and nobody could keep it. The girl cried a lot because she wanted a little dog. The other dogs in the corridor smelled the scent and got all hot and bothered. Everyone had to take a bath to get rid of the bad smell.

It is very hot and we get very lazy.

The fan plays a little tune that makes you sleepy.

Hot breeze, stuffy, dead afternoon.

Not even coffee helps.

I get close to the window to see the landscape from afar, but the afternoon sun is punishing.

I go back to the other view and the people downstairs are burning copper.

More heat, more smoke.

The children do not feel any of that and play euphorically on the edge of the roof.

The luckiest ones went to the pool of a relative.

I hope someone knocks on the door, but I remember that it is already open.

You just have to enter.

The baker’s horn is loud; the manicurist works in the corridor.

Madonna, the dog, sleeps joyfully with her belly on the cold floor.

The scent of a freshly bathed person invades the room.

It’s about to rain.

The clouds approach.

When I was little I hit her a lot and also beat the others who wanted to hit her.

I was the only one who could hit her.

My daughter beats her daughter.

We have always been best friends.

I beat the cake for her, for you, and for the neighbor, this way no one is jealous.

It is better to eat it warm, with the brigadeiro still soft.

Steps, dogs, birds, Makita, rain, cars, horns, children, a broom scraping the ground, ball, truck engine.

Shots.

It sounds like they are inside the building, in the corridor.

They are coming from the favela.

Some people are still drinking beer outside.

In the same minute my phone rings.

My heart tightens.

I change the channel. Panic. Xurupita.

It is a bit strange to have visitors in a house that is not really mine.

Friends become tourists, passive observers of my life.

The subjects of conversation are restricted and we only talk about what is pertinent to this place.

Nobody wants to know how I am, but how I am living.

I wanted to get out of here for the first time.

I could only smell the cat pee because someone said it was strong.

I did not like being seen as if I was in an exotic experience.

There is no exoticism here.

What is lived is pure and true enough.

The look of reproach and questioning bothers me.

And even though I am a foreigner, the foreign look of foreigners also bothers me.

I prefer to be alone with myself and somebody else's sons.

The room is pink.

When opening the door in the morning, I see a passageway illuminated by green and yellow, with splashes of sunshine on the floor, on the doors, on the books on the shelf.

The morning twilight is filtered by curtains and towels, heating the objects with a dim light.

The porcelain Snoopy gets a special throw of light, almost a spotlight.

At night the stairs are lilac, sparkling small squares on the wall.

My uncle got this apartment when he was working for the government, but as he preferred living near the garden, he gave it to my parents.

I was 5 years old.

One day an employee of CEHAB came to investigate and regularize the residents. By the family surname he recognized that he was my mother's nephew. They had not seen each other for at least 30 years.

I live with my daughters, granddaughters, and my new husband.

I think that I will live here until I die.

I have seen so many people coming and going, and today I drink beer alone for lack of company.

This time I thought it was fireworks, but they were real shots.

The motorcyclist did not fall and the police went after him.

Quickly the pancadão ceased to be funk and became pow-pow with a siren.

Here everything is still in peace.

Rice and strogonoff.

The water came back, the rain stopped.

The telephone rang and good news arrived.

Ever since I moved into this house, when the phone rings I receive good news.

Today I was told I make family everywhere.

At the beginning of the artistic residency, I could not imagine this would happen.

To feel welcomed does not necessarily mean to have friends.

Today I left the house that gave me back so many things I have lost.

I had to leave and embrace and cry and hurt.

I had to promise myself that this love that was born in such a short time would not cease with my departure.

I will come back for Christmas.

I will come back to that corridor which was as much a home as my own home.

I will come back to the warmth of the stories packed with laughs and shouts.

Yesterday I saw an album of old photographs.

I could see the genetic similarity of the people and the permanence of the same cobogó from the corridor.

Now I am homeless, but back to a cozy bedroom with no outside communication beyond the noise of a busy urban street in Botafogo.

I am back to comfortable arms that stayed asleep here.

I close my eyes and a child's face comes back from my memories.

I smile.

They said they would call me to see if I had arrived safely.

It is difficult to answer such a question in a moment in which I have conquered so much and gotten so emotional, but I leave behind something very powerful.

No magic could make those days be longer.

The photographs that I took will serve as another album for another conversation in 20 years from now, maybe mine, theirs, or ours.

They will serve as a map to take me back to that place and sweeten my memory.

Each Juquinha candy will take me to the hiding place, the green apple-shaped pot, where I will meet that happiness.

Lots of fireworks.

Some artificial, some real.

The forest was entirely burned.

Instead of green, now it is black.

A kite flies really high and after I spot the first one, dozens are already dancing in the sky.

Today is a day of celebration.

Codfish balls in many homes.

Families work and celebrate at the same time.

I returned to the enchanted corridor and met friends.

Even the 5-year-old learned how to write "affection" with wooden chopsticks.

The couches and new curtains arrived.

The living room lights up from the recent tonalities.

A place is inaugurated.

The children help with the cleaning, but unintentionally wet the flannel.

The forgotten key on the gate gives entry to the less present ones.

Today is a day of celebration.

New clothes had their debut.

One person's fridge holds the others' beer.

I brought bread pudding.

Latinha, Latinha! It is time to feed the cat.

Comes and goes, enters and leaves.

New sandals.

Feliz-da-vidá.

[Translated by Thais Medeiros]