"A aldeia (da Cova do Vapor) estava a ser empurrada pela água em direção à Mata de São João, forçando os seus habitantes a recuar, 'caminhando com as suas casas às costas' em carroças de bois".
Esta imagem é determinante para iniciar a investigação sobre a comunidade, os seus agentes, bem como os movimentos de permanência e deslocamento no local, em parte impulsionados pela própria natureza e pelos fenômenos de erosão, em parte resultantes da ocupação sazonal e desordenada do território. É na combinação de pontos de vista, afetivos e críticos, locais e estrangeiros, de crianças a idosos, que o trabalho se desenvolve.
Em julho de 2023 deu-se início à primeira etapa da minha residência na região, em uma das cabanas de madeira que foi transferida da Cova do Vapor para a Trafaria na década de 1950 por conta do avanço do mar.
É da praia da Cova do Vapor que se tem a melhor vista de Lisboa e também do Bugio, o farol que delimita o encontro entre o Atlântico e o Tejo. Entretanto muito da história significativa do povoado não está à vista.
São muitos os relatos e fotografias antigas que guarda Eduardo Gomes, o diretor da Biblioteca do Vapor, situada à beira mar em um pequeno imóvel doado à associação de moradores, local que um dia foi o Bar da Mimi, e que desde julho é onde realizo o projeto “Como olhar junto”, um trabalho de escuta e pesquisa colaborativa na comunidade da Cova do Vapor, em especial com um grupo de habitantes idosos que é estimulado a identificar casas, memórias, sonhos, alegrias, desejos e conflitos, em encontros semanais que se transformaram em um espaço seguro e transversal de partilha. Os participantes, frequentadores da praia como veraneantes ainda na década de 1940, hoje são residentes que vivenciaram o início da tímida urbanização e também o significativo avanço do mar a partir da década de 1950 que submergiu quase 2km de praia conhecida então como o Bico de Areia, que na maré baixa podia-se caminhar até o Farol do Bugio. São essas pessoas, a maioria matriarcas que, por possuírem laços extremamente sólidos com o lugar e a comunidade, reavivam personagens e paisagens, ajudando a fortalecer os vínculos para as gerações atuais e futuras. E são essas pessoas e suas histórias orais que se misturam à história de constituição da Cova do Vapor e que dão vida a este projeto.